Tributação e inteligência de negócios

Termo presente no vocabulário da tecnologia da informação, Big Data ou conjunto enorme de dados armazenados passou a significar o grande desafio que os players de mercado tem para aumentar a participação das suas marcas de produtos ou serviços numa competição de negócios cada vez mais global.

Segundo o Wikipédia, “Big Data é um termo amplamente utilizado na atualidade para nomear conjuntos de dados muito grandes ou complexos, que os aplicativos de processamento de dados tradicionais ainda não conseguem lidar. Os desafios desta área incluem: análise, captura, curadoria de dados, pesquisa, compartilhamento, armazenamento, transferência, visualização e informações sobre privacidade dos dados”.

O Big Data se baseia em 5 V’s: velocidade, volume, variedade, veracidade e valor.

Desde 2009 o governo implementou importantes medidas a partir do ajuste SINIEF 7/05 (que criou a Nota Fiscal Eletrônica), com vistas ao combate à sonegação por meio do controle e acompanhamento das atividades empresariais, dentre as quais podemos citar: NF-e – nota fiscal eletrônica, CF-e – cupom fiscal eletrônico; CT-e – conhecimento de transporte eletrônico; NFS-e – nota fiscal de serviços eletrônica, EFD – escrituração fiscal digital e, ECD – escrituração contábil digital.

A partir de 01/01/12, a obrigatoriedade de emissão de NF-e foi estendida a todas as operações, para os estabelecimentos atingidos pela obrigatoriedade de emissão parcial de NF-e, conforme publicado na Norma de Procedimento Fiscal n. 058/2011, em 27/07/11. As empresas que não se enquadraram em outra hipótese de obrigatoriedade de emissão da NF-e, mas que possuem operações com destinatários enquadrados em uma das três hipóteses previstas no item 6 da NPF n. 095/2009, a partir de 01/01/12, se sujeitam à emissão de NF-e em todas as operações, em substituição às notas fiscais modelos 1 e 1A.

 Toda esta inteligência fiscal resultou na queda acentuada da receita sonegada pelas empresas brasileiras em 2016, com um decréscimo estimado em R$ 1,1 trilhão (R$ 2,1 tri – R$ 1,0 tri), ou 47,61% sobre o resultado de 2008.

Indubitavelmente, o maior banco de dados (ou Big Data) sobre todas as operações do mercado está nas mãos do governo federal. Mas, o que pouca gente sabe é que boa parte destes dados estão à disposição de qualquer cidadão ou empresa, através do uso da Lei de Acesso à Informação (Lei no. 12.527/2011).

Já a inteligência de negócios, ou Business Intelligence (BI), refere-se ao processo de coleta, organização, análise, compartilhamento e monitoramento de informações para a tomada de decisões dos gestores de negócios. É o conjunto de metodologias e processos que transformam uma grande quantidade de dados brutos em informação útil para a tomada de decisões estratégicas.

Desde 2005 utilizo os dados fiscais públicos e abertos na definição de estratégias de negócios. O que me despertou tal interesse foi a criação, formatação, desenvolvimento e atualização do Impostômetro, projeto de minha lavra e de outros profissionais do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Ao longo deste tempo também criamos o Gastômetro (compilação das informações contidas nos Portais da Transparência), De Olho no Imposto (carga tributária embutida no preço final de mais de 100 milhões de produtos e serviços e com mais de 3 milhões de estabelecimentos utilizando o sistema), Empresômetro (dados públicos e abertos de todas as empresas brasileiras) e Lupa nas Compras Públicas (notas fiscais das compras públicas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive Tribunais de Conta, Ministério Público, Autarquias, Empresas Públicas, Empresas de Economia Mista, Fundações Públicas e Entidades privadas sem fins lucrativos referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos por elas recebidos).

A partir da vigência da Lei de Acesso à Informação em 2012, no IBPT e no Empresômetro passamos a capturar, armazenar e analisar volumes exponencialmente crescentes de dados, que hoje já atingem 1,5 pentabytes (1,5 mil terabytes).

Por exemplo, na análise de um arquivo XML (arquivo digital com validade jurídica garantida pela assinatura digital do emitente) de uma Nota Fiscal Eletrônica podem ser verificadas inúmeras informações, tanto do emitente quanto do destinatário, como nome, CNPJ, inscrição estadual, endereço completo, e-mail, telefones, descrição completa da mercadoria ou serviço, preço unitário, desconto, tributos incidentes da operação, transportador, etc. O emitente encaminha por e-mail o arquivo XML para o destinatário e todas as informações ficam disponíveis para a verificação no site do governo federal ou dos governos estaduais. Para se ter acesso à NF-e completa basta ter a chave de segurança de 44 dígitos e consultá-la no Portal da NF-e (nfe.fazenda.gov.br). Também informações importantes são obtidas ao se analisar o arquivo XML de um Conhecimento de Transporte Eletrônico – CTe (cte.fazenda.gov.br), como os dados completos da empresa transportadora, da carga transportada, do emitente e do destinatário, bem como a placa e dados do veículo que fez o transporte.

Em 2016 foram emitidas 2.425.544.452 Notas Fiscais Eletrônicas por mais de 1,35 milhão de estabelecimentos. Metade de todas as NFEs emitidas em 2016 foram feitas por empresas que estão classificadas em 25 CNAEs.

Duas siglas utilizadas amplamente em análises de tributação, CNAE e NCM, são decisivas no campo da inteligência de negócios, competitiva ou de mercado.

CNAE ou Classificação Nacional de Atividades Econômicas é uma classificação usada com o objetivo de padronizar os códigos de identificação das unidades produtivas do país nos cadastros e registros da administração pública nas três esferas de governo, em especial na área tributária. Toda pessoa jurídica tem um registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), do Ministério da Fazenda – Receita Federal do Brasil e é classificada num código de CNAE, que identifica o ramo de atividades desta entidade pública ou privada. São atualmente 1329 códigos de CNAE (subclasses), cada um com 7 dígitos, sendo os dois primeiros referentes à Divisão (ex: 29 – FABRICAÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, REBOQUES E CARROCERIAS), o terceiro diz respeito ao Grupo (ex: 29.1 – Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários), até o quinto se refere à Classe (ex: 29.10-7 – Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários) e até o sétimo se refere à subclasse (ex: 2910-7/02 – Fabricação de chassis com motor para automóveis, camionetas e utilitários). Assim, em termos de tributação todas pessoas jurídicas, e em especial as empresas, tem um CNAE principal relacionado ao CNPJ, podendo também ter outros CNAES, denominados secundários.

Toda arrecadação de tributos também fica vinculada aos CNAES. Assim, sabe-se quais as principais atividades que geram as maiores arrecadações de tributos federais, estaduais e municipais. Como todas as pessoas jurídicas estão classificadas nestes CNAEs, então pode ser calculada a arrecadação média por empresa.

Os tributos relacionados à lucratividade das pessoas jurídicas são o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Assim, ao verificar a arrecadação destes tributos por CNAE é possível saber quais são os ramos de atividades que estão com maior lucratividade. Vigora a mesma lógica ao se analisar a arrecadação da Contribuição Previdenciária e FGTS, com o fito de saber a massa salarial de cada CNAE e do PIS e da COFINS, para identificar a receita ou faturamento das empresas por CNAE. Como as arrecadações tributárias também são divulgadas por estados e municípios é possível identificar os principais dados econômicos de empresas ou conjunto de empresas.

NCM ou Nomenclatura Comum do Mercosul trata-se de um código de oito dígitos estabelecido pelo Governo Brasileiro para identificar a natureza das mercadorias e promover o desenvolvimento do comércio internacional, além de facilitar a coleta e análise das estatísticas do comércio exterior. Qualquer mercadoria, importada ou comprada no Brasil, deve ter um código NCM destacada na Nota Fiscal Eletrônica e nos demais documentos fiscais, cujo objetivo é classificar os itens de acordo com regulamentos do Mercosul. Foi adotada em janeiro de 1995 pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e tem como base o SH (Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias). Por esse motivo existe a sigla NCM/SH. O SH é um método internacional de classificação de mercadorias que contém uma estrutura de códigos com a descrição de características específicas dos produtos, como por exemplo, origem do produto, materiais que o compõe e sua aplicação. Dos oito dígitos que compõem a NCM, os seis primeiros são classificações do SH. Os dois últimos dígitos fazem parte das especificações próprias do Mercosul.

A transação através de notas fiscais eletrônicas tem a identificação obrigatória das mercadorias, produtos e serviços em NCMs. Analisando-se o total de operações por NCM verifica-se quais são as de maior representatividade e quais são os itens que estão descritos em cada uma delas. Em nosso projeto De Olho no Imposto já catalogamos mais de 100 milhões de produtos, mercadorias e serviços e os correlacionamos com cada uma das NCMs. Também já relacionamos mais de dez milhões de produtos que tem Código de Barras e são comercializados no Brasil.

Prospecção de dados ou mineração de dados (também conhecida pelo termo inglês data mining) é o processo de explorar grandes quantidades de dados à procura de padrões consistentes, como regras de associação ou sequências temporais, para detectar relacionamentos sistemáticos entre variáveis, detectando assim novos subconjuntos de dados. Permite ainda a descoberta de tendências existentes nos repositórios de dados e, quando analisados para obtenção de conhecimento, cria-se a inteligência de negócios sobre determinado assunto.

Um conjunto de dados, mesmo que compondo um big data, só tem valor quando são organizados, estruturados, cruzados e analisados, gerando informações. Um conjunto de informações quando cotejadas entre si ou com outras informações, resultando em projetos que são testados em várias situações, gera o conhecimento. O conhecimento de mercado é que leva à inteligência de negócios.

Termos de inteligência de mercado ou de negócios, como perfilização, granularidade de dados, prospecção qualificada, Market Size e Market Share devem ser aplicados a partir do entendimento das siglas comuns da tributação: IRPJ, INSS, FGTS, CSLL, ICMS, COFINS, NCM, CNAE, CFOP, CST, dentre outras.

Em conclusão, o cruzamento dos vários bancos de dados e informações públicas e abertas, principalmente os ligados à tributação, se constitui hoje no principal instrumento que agrega valor e leva ao conhecimento de qualquer mercado de produtos ou serviços.

Gilberto Luiz do Amaral, advogado, contador e especialista em tributação e inteligência de negócios, sócio da Amaral, Yazbek Advogados (Curitiba, São Paulo, Vitória e Brasília) é Presidente do Conselho Superior e Coordenador de Estudos do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (www.ibpt.org.br).

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