Será que a proposta de tax compliance vai vingar?

MATÉRIA RETROATIVA DO DIA  8/11/18

Nesta quarta-feira, 31/10, às 18h, vence o prazo para envio de propostas de alteração à Consulta Pública da Receita Federal n. 04/2018, que visa a criação do Programa Pró-Conformidade, por meio de Portaria que tem o cunho de estimular o compliance tributário, por meio da criação de um Cadastro Positivo de contribuintes.


Recentemente, tivemos a oportunidade de debater, entre o corpo jurídico da Amaral, Yazbek Advogados, com condução da Dra. Mayara Lobo, uma de nossas jovens brilhantes advogadas, item a item dessa proposta da Receita Federal do Brasil. O intuito foi de analisarmos o teor da proposta e, juntos, pensarmos em como contribuir para seu aprimoramento.


Nesse artigo, busco compartilhar um pouco os itens que chamaram nossa atenção e que merecem ser mais bem discutidos entre a sociedade, com vistas a fazer com que a proposta atinja a finalidade a que se propõe. De imediato, importante mencionar alguns trechos da Exposição de Motivos que fala da finalidade da proposta de criação do Programa Pró-Conformidade:


O Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (Pró-Conformidade) surge num contexto em que se busca estimular os contribuintes a adotarem boas práticascom o fim de evitar desvios de conduta e de fazer cumprir a legislação. 2. As boas práticas estão voltadas à manutenção da conformidade tributária, que se constitui no dever de cumprir as obrigações tributárias principais e acessórias e que compõe o princípio constitucional da moralidade. Não há como interpretar a aplicação de medidas baseadas em ética ou anticorrupção sem admitir de pronto que honrar com o pagamento da tributação incidente é parte integrante e indissociável dessas medidas, uma vez que deixar de pagar tributos implica vantagem competitiva injusta. Nesse sentido, a conformidade tributária é uma forma objetiva e imparcial de privilegiar o contribuinte que exerce sua atividade em consonância com a ordem tributária. 

(…)

Em resumo, o Programa visa estimular a conformidade tributária, fomentando aautorregularização. Espera-se como consequências a diminuição do contencioso e da inadimplência, a melhoria do ambiente de negócios no País, além de uma administração tributária mais eficiente.  (grifos meus)

Para atingir tais finalidades, a proposta cria uma classificação de contribuintes (pessoas jurídicas) de “A” a “C”, na qual aquele classificado na categoria “A” é tido como o com maior conformidade tributária enquanto que o classificado na categoria “C” é tido como sem conformidade. São definidos os critérios para categorização (tempestividade e acuracidade nas obrigações tributárias principais e acessórias),o período abrangido (os quatro anos anteriores) e data de realização da classificação (fevereiro a abril do ano seguinte).

De imediato, a iniciativa foi caracterizada como louvável, pois vem totalmente ao encontro de tudo o que sempre defendemos a respeito da Governança e Compliance Tributários. Alguns pontos de subjetividade, contudo, nos chamaram a atenção, pois podem, na prática, abrir margem a arbitrariedades exacerbadas que podem levar justamente à contramão da finalidade almejada pela proposta, que é a diminuição do contencioso, aumento da eficiência da administração tributária e melhoria no ambiente de negócios.

Os critérios para classificação do contribuinte com base no cumprimento da obrigação de declarar as informações prestadas com integridade e veracidade (art. 8o.) levam em conta, dentre outros, “resultados dos pedidos de restituição, reembolso e ressarcimento e das declarações de compensação” e “validações dos créditos tributários vinculados a suspensão judicial”. A subjetividade de tais critérios pode permitir que uma decisão, ainda que não definitiva, que não defira um pedido de restituição ou deixe de homologar uma declaração de compensação já seja suficiente para reduzir a “boa reputação” do contribuinte. Além disso, falta clareza ao segundo critério acima citado, pois, afinal, o que seriam as “validações de créditos tributários vinculados a suspensão judicial”?

Muita subjetividade ainda é encontrada no critério “retificações reiteradas de declarações” que deve ser observado quando da classificação do contribuinte com base no cumprimento da obrigação de entregar tempestivamente as declarações e escriturações (art. 9o.). O que seria considerado “reiterado” e essa “reiteração” seria para a entrega repetida de um mesmo tipo de declaração ou para diversos tipos?

E os contribuintes incluídos no SIMPLES NACIONAL – que correspondem à maciça maioria de empresas brasileiras – terão algum tratamento diferenciado que os estimule a crescer? Ao que concluímos, não, pois a proposta só lhe imputa um ônus ainda maior, pois atribui como critério para sua classificação com base no cumprimento da obrigação de pagar integral e tempestivamente os tributos devidos, “o histórico de intimações para fins de exclusão e opção para reinclusão no regime” (art. 10). Isso pode ser justamente um entrave ainda maior para a melhoria do ambiente de negócios…

Ora, se um contribuinte “A” tem como vantagens ser priorizado quanto ao recebimento de informação sobre indício de infração, permitindo-lhe a autorregularização sem aplicação de penalidades, ter prioridade no atendimento presencial, ter prioridade na análise de demandas perante a RFB e receber um Certificado de Conformidade Tributária, o contribuinte “C” passa a figurar na lista dos contribuintes com Regime Especial de Fiscalização e se torna prioridade na aplicação de diversas sanções, inclusive cassação de benefícios fiscais. É óbvio que as micro e pequenas empresas enquadradas no SIMPLES, que já tem muita dificuldade em saber se estão de fato cumprindo a legislação tributária, serão as campeãs em ter classificação “C”. Isso, por certo, as desestimulará de crescer.

Acreditamos que os contribuintes precisam sim estar em Compliance. Não é a toa que estimulamos tanto o crescimento da Governança Tributária. Contudo, não se pode punir além da medida certa e uma proposta não pode culminar em tantas penalidades a ponto de impedir a realização de seu propósito. Portanto, nos resta contribuir para que essa proposta da Receita Federal cumpra a finalidade a que se propõe e, para isso, profundas mudanças lhe são necessárias, pois antes de punirmos ainda mais aquele que tem dificuldade em honrar suas obrigações tributárias, precisamos simplificar o sistema. Enquanto isso não acontece, o Fisco precisa educar e orientar os contribuintes para que, de fato, tornem-se aliados e não mais oponentes entre si, como, infelizmente acontece no Brasil, na contramão da grande maioria dos países da OCDE.

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