Notícias em Destaque da Semana – 29/01 a 05/02
Empresas retificam declarações fiscais para utilizar benefícios de novo parcelamento
Data: 02/02/2024
Empresas passaram a adotar uma nova estratégia, considerada arriscada por especialistas e pela própria Receita Federal, para aproveitar os benefícios fiscais previstos no programa de autorregularização incentivada lançado pelo governo federal – espécie de “Refis” instituído pela Lei nº 14.740, de 2023. Consiste em retificar declarações de compensação para retirar créditos de PIS e Cofins, obtidos normalmente com a chamada “tese do século”, pagar os valores de impostos devidos por meio do parcelamento aberto e utilizar posteriormente esses créditos.
A nova estratégia leva em conta as vantagens do programa, que permite o pagamento de dívidas tributárias, em parcelas, sem multa ou juros. Metade do valor deve ser paga à vista. A outra em até 48 vezes, em parcelas mínimas de R$ 200 e R$ 500, corrigidas pela Selic. É possível ainda quitar impostos com prejuízo fiscal e precatórios – inclusive de terceiros. Podem aderir ao programa pessoas físicas e jurídicas, exceto as do Simples Nacional. A adesão começou no dia 5.
Entre alguns tributaristas, a estratégia é considerada “uma distorção do sistema”. Eles têm conhecimento de empresas que optaram pela estratégia ou ao menos os consultaram sobre a ideia.
A resposta dada às consultas é que há riscos, afirmam. A estratégia de “maliciosamente” fazer sumir créditos, explicam, pode ser punida com multa qualificada, de até 150% do valor devido. Outra consequência possível é a representação fiscal para fins penais – o envio de informações ao Ministério Público para averiguação de fraude.
A Receita Federal pode ainda, acrescentam os especialistas, incluir pessoas físicas (sócios ou administradores) nas autuações como responsáveis solidárias pelos tributos devidos, até com a possibilidade de arrolamento de bens como garantia.
As empresas que fizerem isso serão fiscalizadas, segundo técnicos do governo ouvidos pelo Valor. O sistema da Receita Federal, dizem, consegue identificar esse tipo de ação – e deve considerá-lo como fraude.
Já que o contribuinte teria que fazer uma retificação, como se tivesse pago com créditos por engano, e depois usá-los em nova compensação, haveria fraude, explicam os técnicos. “Teria que retificar uma vez para mentir para o Fisco e retificar em seguida, confessando que mentiu na primeira”, afirma uma fonte. De acordo com os técnicos, será dado “tratamento adequado” a “fraudadores” e “espertalhões”.
“É necessário, preferencialmente, propor um mandado de segurança preventivo” — Daniel Tessari
Para o advogado João Marcos Colussi, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, essa prática é “arrojada”. “Tenho certeza que o Fisco vai rejeitar esse tipo de justificativa. E no Poder Judiciário o histórico de jurisprudência sobre regimes de regularização, do tipo Refis, é sempre no sentido de que as vantagens são dadas dentro de um contexto que não pode ser maximizado”, afirma.
Colussi destaca que a autorregularização incentivada implica negociação, em que as partes precisam ceder. “Quando o contribuinte faz uma retificação de créditos no sistema eletrônico, a Receita Federal fica sabendo na hora que ele está fugindo do espírito da lei”, diz.
O tributarista Daniel Tessari, do Kincaid Mendes Vianna Advogados, afirma que o escritório recebeu demanda de empresas que receberam a oferta de retificação por parte de consultorias e pediram ou pretendem pedir a retificação de declarações de compensações. Ele considera o pedido viável, mas lembra que é necessário cautela e, além disso, sugere levar a questão ao Judiciário.
“A redação da lei é muito aberta”, diz ele, destacando que uma retificação de escrita contábil precisa de justificativa e que as empresas devem considerar o risco. Para ele, não é possível dizer que a operação não será interpretada como fraude.
“É necessário analisar o caso concreto e, preferencialmente, propor um mandado de segurança preventivo. Isso não vai fugir de uma discussão judicial, pela própria linha que a União vem expondo sobre a extensão de prazo para adesão [tema que vem sendo discutido em liminares]”, afirma o advogado.
Em nota, a Receita Federal informa que a caracterização ou não de fraude deve ser analisada em cada caso concreto e que o sistema vai identificar se as retificações forem feitas. O órgão reforça que a autoridade tributária aplica as multas correspondentes e o caso pode ser encaminhado ao Ministério Público Federal, mediante representação, conforme disposto na Portaria RFB nº 1.750, de 2018.
Outra questão ligada ao programa de autorregularização incentivada já está sendo discutida na Justiça. Liminares concedidas em São Paulo e no Paraná garantem a inclusão de dívidas com a Receita Federal constituídas até abril deste ano, e não somente até 30 de novembro de 2023, como defende o órgão.
As empresas alegam nos processos que esse seria o limite estabelecido pela lei e a Instrução Normativa (IN) nº 2168, de 2023, que a regulamenta. Porém, a Receita Federal, na seção “Perguntas e Respostas” do site do órgão, afirma que podem ser incluídos no parcelamento “tributos que ainda não tenham sido declarados cujo vencimento original seja até 30 de novembro de 2023”.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vai recorrer das liminares. Para os procuradores, a tese dos contribuintes é muito agressiva e causa espanto e preocupação, uma vez que pode comprometer a arrecadação do primeiro trimestre. Eles afirmam que a lei, a IN e a cartilha não podem ser interpretadas isoladamente.
Contribuintes conseguem no Judiciário afastar tributação de benefícios fiscais
Data: 29/01/2024
Os contribuintes têm conseguido na Justiça afastar a tributação sobre benefícios fiscais de ICMS. Pelo menos seis liminares foram concedidas nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná e no Distrito Federal. Beneficiam empresas como Renner e Laticínios Catupiry, além de dois sindicatos empresariais.
Os processos, com impacto bilionário, questionam a aplicação da Lei das Subvenções (Lei nº 14.789/2023). A norma alterou as regras de tributação de incentivos fiscais para investimentos concedidos por Estados. A taxação desses benefícios é uma das principais medidas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para cumprir a meta fiscal e zerar o déficit em 2024. Segundo estimativa do Ministério, deve gerar um retorno de R$ 35 bilhões para os cofres públicos somente neste ano.
Na prática, as liminares beneficiam mais de 220 empresas, já que duas delas foram concedidas em mandados de segurança coletivos – ou seja, valem para todos os associados dos sindicatos. O Sindiatacadista do Distrito Federal, um dos beneficiados, representa mais de 190 contribuintes. O outro, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), 27.
As decisões impedem a cobrança tanto do Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL quanto do PIS e da Cofins. Todos os pedidos seguem a mesma tese: haveria ofensa ao pacto federativo. A argumentação das empresas é de que o governo federal não pode tributar um incentivo dado pelo Estado, voltado para atrair empresas e fomentar a competi tividade.
Em algumas ações, discute-se ainda o conceito de renda e faturamento. Segundo os contribuintes, os benefícios fiscais representam redução de custo e não incremento de receita. “O benefício não gera um acréscimo patrimonial e é preciso respeitar a imunidade recíproca. Se o Estado está cedendo, não pode a União tributar a receita do Estado ”, afirma o advogado Leandro Aleixo, sócio-fundador do escritório AleixoMaia.
A banca, diz o advogado, tem mais de 500 ações judiciais sobre o tema, ajuizadas desde a edição da Lei Complementar nº 160/2017. A norma promoveu mudanças no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014. Antes dessa alteração havia uma separação entre subvenção de investimento e subvenção de custeio. O texto anterior dizia que, no caso de subvenção de investimento, a União não poderia tributar.
Depois, com a mudança, passou a constar no artigo 30 da lei que “incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimento”.
Os contribuintes entenderam que deixou de existir diferença entre os benefícios de ICMS e, por esse motivo, nada mais poderia ser tributado. A Receita Federal, porém, manteve o entendimento de que só não poderia tributar incentivo como estímulo à ampliação do empreendimento econômico.
A maioria das ações ajuizadas agora trata de crédito presumido, por haver, segundo advogados, forte precedente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a tributação desse tipo de benefício fiscal (EREsp 1.517.492/PR). A discussão está nos processos, por exemplo, da Laticínios Catupiry e da Renner.
Segundo a Catupiry, “não pode a União retirar, por via oblíqua, o benefício fiscal concedido pelos Estados da Federação, no exercício de sua competência, em clara afronta ao princípio do pacto federativo e a uniformidade da tributação federal” (processo nº 5038077-98.2023.4.03.6100).
O argumento foi aceito pela juíza Regilena Emy Fukui Bolognesi, da 11ª Vara Cível Federal de São Paulo. Ela usa precedentes da 1ª Seção do STJ e das turmas de direito público para dar provimento à liminar. Não cita, porém, julgamento de abril do ano passado, em recurso repetitivo.
Naquela data, os ministros decidiram que a tese de isenção do crédito presumido não se aplicaria aos outros tipos de benefícios fiscais – como redução de base de cálculo, redução de alíquota e diferimento (Tema 1182).
Fundamentou de forma semelhante o juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, ao conceder liminar ao Sindi veg. No caso, tratou sobre todos os tipos de benefício fiscal, não só sobre crédito presumido. Para ele, a Lei nº 14.789/2023 não afeta a tese dos contribuintes.
“Por força do princípio federativo, os incentivos fiscais e financeiros concedidos pelos Estados no âmbito do ICMS não podem ser tributados pela União, independentemente do nome que ostentarem (isenções, diferimentos, créditos presumidos, outorgados, reduções de base de cálculo, entre outros)”, afirma o juiz (processo nº 5012462-09.2023.4.03.6100).
Para o advogado Fabio Calcini, do Brasil, Salomão e Matthes Advocacia, que assessora o Sindiveg, a decisão reforça que a nova lei vigente, encabeçada pela Fazenda, não muda a essência do debate. “O entendimento foi amplo, na linha do nosso pedido, que todo incentivo, independentemente se é de custeio ou investimento e de outra condição, não deve ser tributado”, diz.
De acordo com o tributarista Gustavo Vita Pedrosa, do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, as liminares em favor das empresas reforçam que a Lei nº 14.789/2023 não é suficiente para impor a tributação, diante dos fortes precedentes nos tribunais superiores. “A alteração deveria vir de cima. Ou seja, se o governo federal quer tributar os incentivos fiscais concedidos pelos Estados, especialmente o crédito presumido, deveria alterar a Constituição Federal”, afirma.
Denis Araki e Marcus Furlan, sócios do LBMF Advogados, entraram com ações separadas para uma mesma empresa do setor têxtil. Uma discutia o IRPJ e CSLL e outra PIS e Cofins. Na primeira, a liminar foi deferida (processo nº 5037507-15.2023.4.03.6100). Já na segunda, foi negada (processo nº 5037611-07.2023.4.03.6100).
O juiz Luis Gustavo Bragalda Neves, da 2ª Vara Cível Federal de São Paulo, entendeu não haver urgência e determinou a suspensão do processo até que o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicione sobre a tributação do crédito presumido (Tema 843). Os advogados dizem que vão recorrer da decisão. “Não é porque existe um leading case no STF que o juiz não pode conceder uma liminar”, afirma Araki.
Em nota, o Sindiatacadista-DF diz que a ação movida foca no crédito presumido por ser o benefício adotado pelo setor e haver precedentes favoráveis do STJ. O impacto financeiro estimado da demanda, acrescenta, “considerando que o setor atacadista arrecadou cerca de R$ 3 bilhões ao Distrito Federal no ano de 2023, é em torno de R$ 1,2 bilhão ao ano” (processo nº 1001314-41.2024.4.01.3400).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), também em nota, informa que as receitas das subvenções “sempre integraram a receita bruta da empresa e estiveram sujeitas à tributação”. E que, em alguns casos, foram excluídas da base de cálculo dos tributos federais. Acrescenta que a Lei nº 12.973/2014 e a Lei nº 14.789/2023, “ao definirem conceitos relevantes para a aplicação do benefício federal e estabelecerem a forma de sua concessão, não incorreram em qualquer ilegalidade, razão pela qual a União Federal entende que se consagrará vencedora nas ações que tratam do tema”.
Procuradas, Laticínios Catupiry e Renner não deram retorno até o fechamento da edição. O Sindiveg preferiu não se manifestar.
STJ julgará creditamento de PIS/Cofins sobre reembolso de ICMS-ST como repetitivo
Data: 30/01/2024
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará sob a sistemática de recursos repetitivos o direito ao creditamento de PIS e Cofins em casos de reembolso do ICMS na substituição tributária (ICMS-ST). Neste regime, um contribuinte (substituto) é responsável por recolher antecipadamente o ICMS dos demais elos (substituídos) de uma cadeia de consumo. Os ministros vão decidir se o contribuinte substituído na cadeia pode creditar os valores que paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-ST na compra de mercadorias para revenda.
A 1ª Seção do STJ escolheu os REsps 2.075.758 e 2.072.621 e o EREsp 1.959.571 para serem julgados sob a sistemática de recursos repetitivos. A questão foi cadastrada como Tema 1231 na base de dados do STJ. Com isso, tribunais em todo o Brasil deverão aplicar o entendimento do STJ em casos idênticos. Além disso, o STJ suspendeu o julgamento de todos os processos no país que discutem esse tema.
Ao afetar um processo como recurso repetitivo, a ideia é facilitar a solução de demandas repetidas nos tribunais do país e fazer com que os casos não subam ao STJ. Segundo o relator dos casos, ministro Campbell Marques, a suspensão é necessária porque já foram decididos mais de 700 processos sobre o mesmo tema somente no STJ, sem considerar as ações que tramitam nas instâncias inferiores. “Somente no gabinete deste relator foram encontrados 26 processos que versam sobre a mesma questão de direito ainda por decidir”, escreveu o ministro.
Nos REsps 2075758/ES e 2072621/SC, os contribuintes buscam direito ao creditamento. Eles argumentam que o ICMS pago antecipadamente integra o custo de aquisição das mercadorias, ensejando, portanto, direito ao creditamento.
Já no EREsp 1959571/RS, a Fazenda Nacional aponta um conflito de teses entre as turmas do STJ. Ela defende que deve prevalecer o entendimento da 2ª Turma, que estabeleceu que o contribuinte não tem direito ao creditamento dos valores que paga ao contribuinte substituto como reembolso pelo recolhimento do ICMS-ST. O argumento é que o ICMS-ST representa um mero ingresso na contabilidade da empresa substituta (que foi responsável pelo pagamento) e que é repassado para o fisco. Desse modo, como não há receita para a empresa, não há a incidência do PIS e da Cofins, não havendo, portanto, direito ao creditamento dessas contribuições.
O ministro Campbell afirmou que o julgamento do tema repetitivo vai verificar a abrangência do direito ao crédito no que se refere ao princípio da não cumulatividade envolvendo o PIS e a Cofins.
O relator ainda ressaltou que a questão não é a mesma do Tema Repetitivo 1125, relatado pelo ministro Gurgel de Faria. Neste caso, o STJ decidiu em 13 de dezembro que o ICMS-ST não integra as bases de cálculo do PIS e da Cofins. Segundo Campbell, o Tema 1125 “diz respeito não ao creditamento, mas à possibilidade de exclusão do valor correspondente ao ICMS-ST da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins devidas pelo contribuinte substituído”.
Liminares garantem a contribuintes incluir valores maiores de dívidas em parcelamento
Data: 31/01/2024
Contribuintes têm recorrido ao Judiciário para ampliar o alcance do novo programa de autorregularização incentivada, espécie de “Refis” lançado pela União em novembro, por meio da Lei nº 14.740. Liminares concedidas em São Paulo e no Paraná garantem a inclusão de dívidas com a Receita Federal constituídas até abril deste ano, e não somente até 30 de novembro de 2023, como defende o órgão.
As empresas alegam nos processos que esse seria o limite estabelecido pela lei e a Instrução Normativa (IN) nº 2168, de 2023, que a regulamenta. Porém, a Receita Federal, na seção “Perguntas e Respostas” do site do órgão, afirma que podem ser incluídos no parcelamento “tributos que ainda não tenham sido declarados cujo vencimento original seja até 30 de novembro de 2023”.
Para a uma fonte da equipe econômica ouvida pelo Valor, seria necessário “ser bem criativo” para autorregularizar o futuro. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vai recorrer das liminares. Para os procuradores, a tese dos contribuintes é muito agressiva e causa espanto e preocupação, uma vez que pode comprometer a arrecadação do primeiro trimestre. Eles afirmam que a lei, a IN e a cartilha não podem ser interpretadas isoladamente.
“O programa precisa ser visto como um instituto de aproximação entre a administração pública e os contribuintes. Ela não existiria se o contribuinte não estivesse devendo”, afirma procuradora-geral adjunta da Fazenda Nacional, Lana Borges, acrescentando que os tributos a serem regularizados são os vencidos até 30 de novembro de 2023 e que o prazo até 1º de abril é o período que o programa está aberto, que o contribuinte tem para confessar a dívida, retificar obrigações acessórias e aderir. “Não faz sentido um tributo ainda corrente ser objeto de autorregularização.”
O programa garante o pagamento de dívidas tributárias, em parcelas, sem multa ou juros. Metade do valor deve ser paga à vista. A outra em até 48 vezes, em parcelas mínimas de R$ 200 e R$ 500, corrigidas pela Selic. É possível quitar impostos com prejuízo fiscal e precatórios – inclusive de terceiros. Podem aderir ao programa pessoas físicas e jurídicas, exceto as do Simples Nacional. A adesão começou no dia 5.
Já obtiveram liminares a Leyard, uma das principais fabricantes de painéis de LED do mundo, a Dotseg, prestadora de serviços terceirizados, a rede de lanchonetes Madero e a BR Log Logística. Todas conseguiram o direito de pagar, por meio do programa, tributos devidos até abril deste ano.
“A instrução normativa [2168] é clara ao dizer que aqueles tributos não constituídos 90 dias após o prazo da publicação da regulamentação da lei poderiam entrar na autorregularização. O problema foi a cartilha da Receita que acabou com essa possibilidade. Por isso, a necessidade de entrar com as ações”, afirma o tributarista Lucas Simões de Andrade, do escritório Jorge Advogados.
Andrade afirma que se debruçou sobre o tema neste último mês e ajuizou mais de 30 mandados de segurança – dentre eles, os da Leyard e Dotseg. “Havia uma urgência enorme de entrar com as ações porque os tributos estavam para vencer. Não teria como ter uma resposta da Receita Federal sobre isso tão rápido e as empresas estavam com receio de ter a participação no programa indeferida”, diz.
Segundo ele, não pode um “perguntas e respostas”, que não tem status legal, restringir a lei. “A Receita poderia dizer que é uma questão de interpretação e a cartilha é complementar, mas a lei, em momento algum, fala em vencimento originário até 30 de novembro de 2023.”
O caso da Leyard foi analisado pela juíza Soraia Tullio, da 4ª Vara Federal de Curitiba (processo n º 5002122-58.2024.4.04.7000). Para ela, a informação do site da Receita “não possui respaldo na lei”. “Em atenção à legalidade tributária e à segurança jurídica, deve ser deferida a medida liminar para preventivamente assegurar o direito líquido e certo à adesão ao programa”, afirma. No caso da Dotserv, a decisão é da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo (processo nº 5001275-67.2024.4.03.6100).
Também é da 4ª Vara Federal de Curitiba a decisão obtida pela BR Log Logística. No pedido, a empresa diz que, apesar de a lei permitir a autorregularização de tributos até abril de 2024, “em total afronta aos dispositivos da lei e da própria instrução normativa”, a Receita Federal, em orientações, vedou a inclusão de débitos vencidos a partir de 30 de novembro de 2023.
“A informação constante do site não possui respaldo na lei instituidora do programa, tampouco na instrução normativa que o regulamentou”, afirma na decisão a juíza Soraia Tullio (processo nº 5001312-83.2024.4.04.7000). O mesmo entendimento foi aplicado pela 2ª Vara Federal de Ponta Grossa ao Madero Indústria e Comércio (processo nº 5000220-43.2024.4.04.7009).
Para Gabriel Paranaguá, sócio do Feslberg Advogados, o programa é uma espécie de “denúncia espontânea melhorada”. Para quem tem débitos constituídos após 30 de novembro de 2023, ele aconselha entrar com pedido preventivo de liminar. “É interessante porque a Receita pode alegar que é a sua interpretação, apesar de não constar na IN.”
A advogada Amanda Nadal Gazzaniga, do Buttini Moraes Advogados, também acredita que essa é a melhor opção. “A lei não traz a limitação”, afirma. O benefício de negociar essas dívidas em aberto, acrescenta, é justamente poder usar o estoque de prejuízo fiscal e precatórios, em um contexto de restrição das compensações fiscais, estabelecida pela Medida Provisória nº 1.202/2023. “Já existe essa vedação, então os contribuintes podem, estrategicamente, usar a autorregularização para usar o prejuízo fiscal e não pagar tudo em dinheiro.”
De acordo com Rafael Vega, sócio do Cascione Advogados, a lei não foi clara ao dizer se são débitos do passado ou também do presente e, por isso, as empresas já pensam em incluir o tributo devido no mês corrente – ou seja, não pagar com caixa, mas com prejuízo fiscal e de forma parcelada. “A Receita só falou que isso é proibido em um perguntas e respostas”, diz. “Não é a forma certa de se regulamentar”, conclui.
Por meio de nota, o Madero diz que decidiu propor a liminar porque, pelo princípio da legalidade tributária, o “Perguntas e Respostas da RFB” não pode impor uma limitação que não existe na legislação.
Procuradas pelo Valor, Leyard e Dotseg não deram retorno até o fechamento da edição. A reportagem não localizou algum porta-voz da BR Log Logística. (Colaborou Jéssica Sant’Ana)
Justiça garante benefícios fiscais do Perse à ClickBus
Data: 01/02/2024
A ClickBus, plataforma on-line de venda de passagens de ônibus, conseguiu liminar para manter os benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), revogados em dezembro do ano passado pela Medida Provisória (MP) nº 1.202/2023. A decisão é da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo.
A liminar garante à ClickBus continuar com as alíquotas zero do Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins até março de 2027, período inicial de duração do Perse. O programa foi criado pela Lei nº 14.148, de 2021, para compensar os setores de eventos e turismo pelo impacto financeiro causado pelas medidas de isolamento social decretadas em razão da pandemia da covid-19.
No pedido, a empresa, com registro no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), conforme exige a lei do Perse, alega que a MP viola a segurança jurídica, além de contrariar o que estabelece o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN).
Pelo dispositivo, “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo”. Na interpretação do contribuinte, o artigo impede que a isenção seja revogada. O “prazo certo”, argumenta, seriam os 60 meses estipulados pelo programa e a condição seria a empresa ser do setor de turismo.
Na decisão, a juíza federal Regilena Emy Fukui Bolognesi acatou as alegações. Afirma que é preciso preservar a segurança jurídica e a “expectativa ao direito adquirido no prazo inicialmente estabelecido pela lei”.
“Referido benefício fiscal foi inicialmente concedido por prazo determinado de 60 meses, motivo pelo qual o contribuinte que preenche os requisitos legais possui justa expectativa de contar com tal desoneração fiscal, para fins de planejamento tributário entre outras implicações relativas ao exercício de sua atividade econômica, por todo o período citado”, diz.
Segundo o advogado Luís Eduardo Veiga, sócio-fundador do escritório Veiga Law, que representou a ClickBus na ação, existe uma “ansiedade” do governo para “alterar os atuais cenários sem respeitar o devido trâmite legislativo, a custo de inadequação técnica e formal”. “O governo, com o objetivo de arrecadar mais, não pode desrespeitar leis e garantias, não pode tratar os contribuintes como inimigos.”
Veiga moveu cerca de 20 mandados de segurança similares após a edição da MP nº 1.202/23, ainda pendentes de decisão. “O trabalho agora vai ser replicar a decisão dessa liminar nos outros casos”, diz ele, acrescentando que há jurisprudência contra a revogação de benefícios no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Ainda existe o debate da relevância e urgência da matéria ter sido tratada por meio de MP, afirma o tributarista Carlos Gama, do Freitas, Silva e Panchaud (FSP) Advogados Associados. “As empresas fizeram um planejamento para não efetuar o pagamento dos impostos e foram surpreendidas”, diz. Ele cita que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Súmula nº 544, veda a revogação de incentivo. “A súmula é clara no sentido de que isenções tributárias não podem ser livremente suprimidas.”
A legalidade da MP está em discussão no STF (ADI 7587). A norma também prevê o fim da desoneração da folha de salários e limita as compensações fiscais. Há uma negociação entre o Ministério da Fazenda e o Congresso Nacional para retirar a medida e enviar dois projetos de lei separados – um sobre desoneração e outro do Perse e compensações.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Júnior, que acompanha as conversas, tanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), frisam que o gasto com o Perse não pode passar de R$ 25 bilhões. Se mantido até 2027, a renúncia fiscal para o governo seria de R$ 100 bilhões. Até 2023, a renúncia já foi de R$ 17 bilhões.
“Sugerimos a possibilidade de limitar os benefícios aos prejuízos declarados entre 2020 e 2023. Se a empresa já compensou o que perdeu, não precisaria mais desses recursos”, afirma.
Na visão dele, não há justificativa para as empresas recorrerem agora à Justiça, pois os efeitos da MP para o Perse só valerão a partir de abril, já que é preciso respeitar a anterioridade nonagesimal (90 dias após alteração legislativa). “A empresa ganhou uma coisa que não está nem valendo ainda e nem sabe se vai valer porque pode ser modificado pelo Congresso.”
Gustavo Degelo, sócio do Briganti Advogados, discorda desse entendimento e recomenda entrar com o pedido de liminar preventivo. “Como houve aumento da carga tributária, é recomendável entrar com o mandado de segurança para a empresa continuar dentro do seu cronograma. Quanto maior a segurança jurídica para o empresário, melhor”, avalia.
Procurada, a ClickBus preferiu não se manifestar. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e Ministério da Fazenda não deram retorno até o fechamento desta edição.
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