Retrospecto Tributário – 18/12 a 26/12
Seminário debate mudanças nos JCP e como elas podem afetar as empresas
Data: 18/12/2023
Uma eventual mudança na legislação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) poderá provocar o aumento de endividamento das companhias abertas, além de não alcançar a sonhada meta de arrecadação tributária como vem defendendo o governo federal. O alerta é de especialistas em tributos que se reuniram, em Brasília, para o seminário “A importância do JCP para os negócios no Brasil”, promovido pelos jornais O Globo e Valor e rádio CBN.
No primeiro painel do evento, os participantes debateram sobre a importância dos JCP para as empresas e a economia. Pablo Cesário, presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), lembrou que as empresas brasileiras, comparadas com outras, inclusive internacionais, devem menos porque o país conseguiu diminuir o viés de endividamento por meio dos JCP.
“Se acabarem com esse instrumento, o que acontece com nossos associados, por exemplo? Simplesmente eles vão passar a lançar debêntures e pegar empréstimos com os bancos, inclusive os próprios bancos. Teremos uma crise de crédito em que todos buscam recursos ao mesmo tempo em um cenário de estresse econômico com alta taxa de juros”, declarou.
Pablo acrescenta que pouquíssimos negócios se mantêm com empréstimos concedidos a juros altos, e as empresas que sobreviveram às crises tinham mais investimentos dos seus sócios, pois há um compromisso por parte deles em não querer perder seus recursos. Daí a importância, segundo ele, da manutenção dos JCP, que, assim como os dividendos, são uma forma de as empresas remunerarem seus acionistas com parte do que geraram de lucro.
“É possível melhorar o mecanismo? Sem dúvida. Hoje, são poucas empresas que optam pelos JCP. Esse número podia ser maior, por exemplo. Mas eliminá-los não é uma alteração pequena e irá provocar grandes reflexos na economia como um todo. Por isso, a importância de um debate integrado com uma reforma tributária ampla”, acrescentou o executivo.
Estudo mostra efetividade dos JCP
Um estudo desenvolvido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) ajudou a esclarecer a efetividade dos JCP e serviu de subsídio para que o governo, autor da proposta de modificação do instrumento junto ao Congresso Nacional, considerasse alternativas na formulação do projeto de lei. O estudo procurou observar o contexto histórico dos JCP e se eles alcançaram o objetivo proposto. “O que trazemos de evidência é que esse objetivo foi alcançado, principalmente na questão da distorção do benefício fiscal da dívida e que um incentivo natural ao endividamento das empresas surge em seguida”, explicou Joelson Sampaio, professor da FGV.
Joelson destacou que os resultados mostram que acabar com os JCP não acarretará em aumento de arrecadação tributária. “É preciso levar em conta que as empresas irão reagir a uma eventual mudança e vão procurar um novo equilíbrio para suas contas, que, talvez, seja até pior em termos de recuperação judicial, superendividamento, e a busca pela melhora da arrecadação continuará”, avaliou. Ele lembra, ainda, que as pequenas e médias empresas serão mais impactadas porque, com a limitação do mercado de crédito, elas ficarão mais vulneráveis.
Perigo no aumento de alíquotas
Karem Jureidini Dias, ex-conselheira da CSRF do Ministério da Fazenda, fez uma análise sobre os benefícios dos JCP e da remuneração por dividendos. “Esses instrumentos promoveram uma completa integração entre investimentos e investidores. No momento em que se quer mudar essa realidade para promover um eventual aumento de arrecadação, isso só será possível se a iniciativa privada não for tolhida com tributação”, declarou.
Ela também lembra que saldos de caixa também perdem com a inflação. “Se eu não puder distribuir dividendos porque não tenho lucro, estou perdendo com a capitalização que fiz na companhia. E a solução para isso foi a dedutibilidade dos JCP. Sem eles, será que o empresário vai optar pela capitalização, mais onerosa, ou vai buscar empréstimos no mercado financeiro e compras alavancadas, que abrandam a tributação?”, questiona.
Outro ponto que Karem considera preocupante é a possibilidade do aumento da alíquota de tributação dos JCP. Para a executiva, isso representa um perigo, pois eles estão equalizados com uma tributação de renda fixa. “Se eu tenho uma tributação acima da renda fixa, eu continuo desestimulando a capitalização da empresa. E é necessário lembrar que ainda temos PIS e Cofins na pessoa jurídica”, declarou.
O pagamento retroativo de JCP também deve ser reavaliado para manter a sua efetividade. “O que deve ser debatido é se os valores devem ser deduzidos no calendário do mesmo ano ou se posso deduzi-los no próximo ano. Isso está sendo julgado em duas turmas do STJ, que dizem não existir na lei limitação para o cálculo de JCP retroativo. E isso pode causar distorção, levando a despesas futuras não previstas”, explicou.
Pablo Cesário está otimista com os debates junto aos congressistas e membros do Executivo. O que ele vem percebendo é que o cenário de simples distinção dos JCP parece estar se distanciando. “O debate agora é saber qual modelo adotar, e essa é uma discussão que leva tempo. Na Europa, esse debate já dura 15 anos sem alcançar uma conclusão. Mesmo que essa proposta não seja votada no ano que vem, é importante que o debate se mantenha e que as lacunas e equívocos sejam reconhecidos.”
Mudanças não contemplarão arrecadação prevista
O seminário continuou com outros especialistas falando sobre seus pontos de vista a respeito da proposta do governo. O professor da USP Eduardo Flores vê a tentativa de modificação dos JCP com preocupação. “Acho preocupante quando o governo tem dificuldades na arrecadação e começa a trazer questões pacificadas para o debate, como os JCP”, afirmou. Ele acredita que a discussão deve ocorrer a partir de aspectos conjunturais de médio e longo prazo para que o novo instrumento que venha a ser aprovado não seja refém das pautas de momento.
O CEO e fundador da plataforma Meu Dividendo, Wendell Finotti, vê nos JCP um fator de fortalecimento de caixa, fundamental para a sobrevivência das empresas. “Optar pelos juros sobre capital não é uma exclusividade das empresas privadas. As companhias de controle estatal são, talvez, até mais usuárias dos JCP. Estudos que realizamos já mostraram que, à exceção da Petrobras, mais de 50% dos proventos de todas as empresas federais e estaduais foram na forma de JCP”, informou.
Em relação à competitividade das empresas, a sócia da Utumi Advogados, Ana Cláudia Utumi, vê no aumento da carga tributária um forte empecilho, já que os negócios encontram margens de tributos menos pesadas em outros países. “Vejam que há multinacionais que atuam fora do Brasil, mas têm em seu capital dinheiro de brasileiros. Qualquer ajuste que seja feito para restringir os JCP vai aumentar tributos”, assegurou.
O ex-procurador-geral da Fazenda Nacional Ricardo Soriano lembra que as tentativas de governos acabarem com os JCP são antigas. “Não foi possível acabar com o instrumento em gestões anteriores, e acho bem difícil que acabe agora, pois os JCP têm seu papel estabelecido. E tentar trazer esse debate neste momento é temerário, pois daqui a dois meses esse assunto vai voltar em outra proposta relacionada a dividendos”, ponderou.
O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), que acompanha desde o início o desenrolar do projeto, foi categórico ao afirmar que a soma das modificações sugeridas nos JCP, além da MP 1.185 e da regulamentação de jogos, não dará os R$ 47 bilhões previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Se der R$ 1 bilhão em arrecadação com o fim da dedutibilidade dos juros, será muito. Se a ideia é aumentar o caixa do governo, melhor encontrar outro caminho”, comentou.
Governo terá que regular pelo menos 71 pontos da reforma
Data: 19/12/2023
Aprovada a reforma tributária, o Congresso Nacional tem agora pela frente a análise de toda a regulamentação das novas regras. Pelo menos 71 pontos precisarão ser detalhados em lei complementar. Mas alguns são essenciais para que o novo modelo comece a sair do papel.
Os técnicos da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária trabalham com a expectativa inicial de três leis: uma para os novos tributos, outra para o comitê gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma terceira para o Imposto Seletivo.
Os “esclarecimentos” por meio de lei complementar substituirão boa parte dos 218 artigos do nosso atual Código Tributário Nacional (CTN), de 1966, que disciplina o atual sistema. Os textos serão elaborados pelo governo e terão que ser enviados ao Congresso no prazo de seis meses, conforme determina o texto aprovado.
“Aprovada a PEC nº 45, a fase mais desafiadora começa agora”, diz o advogado Eduardo Perez Salusse, sócio do escritório Salusse, Marangoni, Parente, Jabur Advogados, responsável pelo levantamento desses 71 pontos. Ele acrescenta que todas as questões que dependem de lei são importantes dentro do novo sistema tributário, mas há quatro que são essenciais e sem os quais a reforma não sairá do lugar.
O primeiro ponto é o que trata das definições relativas à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao IBS – bases do novo sistema tributário. Nesse caso, definirá o fato gerador de cada tributo, as alíquotas, quem deve pagar e para quem. “São elementos mínimos necessários para viabilizar a existência do próprio tributo”, afirma Salusse.
O segundo ponto, que depende de lei complementar, é o que envolve aspectos da administração tributária do IBS, previstos no artigo 156-B da PEC 45. Salusse explica que se trata da competência para instituir, fiscalizar e cobrar o tributo, além de dirimir conflitos. É nesse dispositivo que está prevista a criação do comitê gestor que vai arrecadar, administrar e distribuir o imposto. De acordo com ele, o texto da PEC é genérico e ainda muito aberto em suas definições.
O terceiro ponto é o da distribuição do dinheiro arrecadado e a criação dos fundos por possíveis perdas de arrecadação de Estados e municípios com a reforma tributária. O quarto, diz, é a regulamentação das inúmeras exceções e particularidades, onde estão os regimes diferenciados, específicos, ressarcimentos de créditos e outros.
Dezenas de setores conseguiram entrar nesses regimes. No artigo 9º da PEC 45, segundo a tributarista Ana Carolina Monguilod, sócia do CSMV Advogados, existem 13 incisos com diversos setores beneficiados com redução de 60% – entre eles, financeiro, de educação, saúde e de atividades desportivas.
“Ainda não temos ideia de como será essa tributação. Ano que vem o trabalho do Legislativo deve ser ainda mais intenso porque tudo isso deve ser regulamentado com lei complementar”, diz ela, acrescentando que, ao longo da tramitação, o texto foi ganhando mais exceções, o que nada impede que nos próximos anos outros setores ainda sejam incluídos em novas PECs.
Seria melhor, de acordo com ela, um texto com um número mínimo de exceções para que as alíquotas pudessem ser mais baixas para todos e o regime, mais simplificado. “Quanto mais exceções, mais complexo fica e a alíquota tende a aumentar”, afirma. “Agora, com o texto aprovado, temos que trabalhar para que ele seja bem regulamentado.”
Para Lina Santin, colaboradora do think tank Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, a regulamentação poderá ir além dos pontos que a PEC 45 expressamente delegou para lei complementar.
“Se passou uma PEC, temos segurança de que vão passar as leis complementares” — Lina Santin
“Como é hoje para o ICMS, ISS e outros tributos, vai ser agora para o IBS e a CBS. Tudo por meio de lei complementar”, diz. “Se espera uma mesma lei para detalhar o IBS e a CBS. O Imposto Seletivo talvez venha em outra lei, mas em todas elas ficará claro qual o fato gerador de cada tributo, a alíquota, quem deve pagar, para quem.”
Depois, acrescenta, será necessária uma lei processual, para dizer quem será o agente competente para fiscalizar, como vai ser compartilhada a receita, quem vai julgar o processo referente a cada tributo novo. “Enfim, ainda há muitas questões a serem enfrentadas”, afirma.
O CCiF, de acordo com a advogada, já havia elaborado um projeto de lei complementar para regulamentar a PEC, que está na mesa de Bernard Appy, secretário da Fazenda para a reforma tributária. “Aliás, parte desse material foi feita quando o próprio Appy ainda estava no CCiF.”
Agora, diz ela, o CCiF trabalha em uma proposta de declaração (obrigação acessória) unificada e autopreenchida para o contribuinte, “o que retiraria muita complexidade para a conformidade tributária”.
Quanto a prazos, segundo Lina, no melhor das hipóteses, até o fim do ano de 2024 as leis complementares deverão estar aprovadas pelo Congresso. “Se não der tempo, ainda teremos até setembro de 2025 porque a previsão da PEC é que a cobrança da alíquota-teste do IBS e CBS comece a partir do ano de 2026”, afirma. Assim, seriam cumpridos os princípios da anterioridade nonagesimal (90 dias) e anual para que um novo tributo comece a ser cobrado.
A advogada também destaca que a aprovação de uma lei complementar é mais simples do que a de uma PEC. Para a aprovação de lei complementar se exige a maioria absoluta (41 senadores e 257 deputados), com votação no Senado em turno único e na Câmara em dois turnos. Para a aprovação da PEC 45 o quórum foi de três quintos (49 senadores e 308 deputados). “Se passou uma PEC, temos uma segurança maior de que vão passar as leis complementares.”
Edison Fernandes, sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, considera que “a espinha dorsal já está lá”. E acrescenta: “A lei complementar não vai poder fugir muito do que foi aprovado”. Os pontos mais urgentes para a regulamentação, para o advogado, são a não cumulatividade ampla e como o contencioso vai ser disciplinado.
Outro ponto relevante a ser definido, a alíquota, pode acabar sendo resolvida mais perto da entrada em vigor do texto, depois de 2026, segundo o advogado. “Acompanhar a calibragem da alíquota vai ser muito importante”, afirma. Fernandes cita os estudos que indicam em torno de 27%. “Mas a possibilidade de não se confirmar é grande”, complementa ele, destacando que um ponto determinante é saber quanto as empresas poderão tomar de crédito.
O sistema de créditos e restituição, o funcionamento do comitê gestor e a amplitude do rol de produtos com tributação favorecida estão entre os temas que mais preocupam as empresas em relação ao novo sistema tributário e que devem ser prioridade nas definições que deverão ser feitas pelas leis complementares, aponta Ana Cláudia Akie Utumi, sócia do Utumi Advogados.
“Essa sistemática do creditamento e da restituição de créditos é muito importante considerando a promessa da simplicidade e do crescimento econômico. Não é tendo dinheiro parado na mão do Fisco que mais gente vai se entusiasmar em investir no Brasil e em fazer economia avançar”, diz.
STF e Fazenda negociam acordo para engavetar execuções fiscais
Data: 19/12/2023
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, negocia com o Ministério da Fazenda um acordo nacional para engavetar ações de execução fiscal paradas há mais de um ano, sem a citação do devedor ou sem a identificação de seus bens. Nos cálculos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há um passivo de quase 35 milhões de processos de execução no Poder Judiciário.
A ideia que o ministro levou ao governo é de que as ações cujo valor de cobrança esteja abaixo de R$ 20 mil sejam sumariamente extintas, enquanto os processos envolvendo cifras entre R$ 20 mil e R$ 1 milhão sejam arquivados (com possibilidade de desarquivamento em caso de fatos novos, como localização de bens ou do devedor). Já nos casos acima de R$ 1 milhão, será feito um “pente-fino” para avaliar se ainda há bens ou patrimônio disponível do devedor.
O objetivo é reduzir os estoques, “racionalizando” o processo de execução fiscal e, assim, descongestionar o Judiciário. Uma portaria já foi assinada pelo CNJ e pela PGFN, em conjunto com os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), o Conselho da Justiça Federal (CJF) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
As principais preocupações se referem às varas estaduais, nos processos de execução de Estados e municípios. Um exemplo é a judicialização envolvendo o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), que representa quase 90% das ações de execução fiscal. Só no município do Rio de Janeiro, por exemplo, a estimativa é de que as novas regras reduzam um acervo de 270 mil processos para cerca de 50 mil.
Está em análise, por exemplo, estabelecer aos prefeitos a obrigatoriedade de protestar o IPTU durante o exercício financeiro devido. Atualmente, a avaliação de Barroso e de seus técnicos do CNJ é de que os municípios têm o hábito de fazer “pacotes” de ações, com o acumulado de vários anos, o que sobrecarrega e trava o sistema de Justiça.
O CNJ já tem acordos com os municípios de Fortaleza e Salvador para reduzir os estoques, mas a ideia é que a política seja ampliada para todo o Brasil. Com a portaria já assinada e prestes a ser publicada, técnicos da área econômica agora estudam iniciativas mais arrojadas para concretizar a medida.
Barroso tem dito a interlocutores que boa parte das execuções fiscais são antieconômicas — ou seja, custam aos cofres públicos mais do que o montante que se busca arrecadar. Por isso, são as “vilãs” do sistema de Justiça, elevando ao dobro a duração média de um processo no Brasil, hoje estimada em 4,5 anos.
O CNJ identificou que em quase 50% das ações de execução fiscal não se consegue sequer citar o réu, ou seja, comunicá-lo formalmente de que ele está sendo alvo de um processo judicial. Nos casos em que isso é possível, outra dificuldade se apresenta: a localização de bens no patrimônio do devedor. Com isso, as ações acabam ficando paralisadas.
Uma das propostas de Barroso é criar uma espécie de fase “pré-judicial” — por esse modelo, que o ministro entende ser a fórmula mais eficiente de cobrança, ficaria proibido o ajuizamento de ações de execução fiscal sem antes ter havido uma tentativa pela via extrajudicial.
De acordo com o CNJ, uma única ação de execução fiscal custa R$ 30 mil ao erário público e recupera menos de 2% do valor demandado, enquanto o protesto tem custo menor e recupera mais de 20%. Por isso a ideia de extinguir as ações cuja cobrança seja inferior a R$ 20 mil.
As tratativas com a Fazenda devem se intensificar a partir de agora, devido a uma tese aprovada ontem pelo STF. A Corte definiu que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor, e que novas ações não podem ser ajuizadas sem tentativa prévia de conciliação ou protesto do título.
“Existem outros caminhos prévios para localização do devedor e de bens, para evitar que a discussão de uma dívida pequena movimente um processo que chegue até o Supremo, com um ônus financeiro não só para o contribuinte, como para a jurisdição”, disse a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso.
Em entrevista ao Valor, a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, contou que a PGFN trabalha em uma melhoria do ajuizamento de execuções fiscais desde 2015, o que já diminuiu as ações federais no Poder Judiciário.
Na mesma linha de Barroso, ela explica que há dois principais gargalos nos processos de execução: localização do devedor e localização dos bens para garantir a dívida. “Isso deixa o processo muito caro, moroso e pouco efetivo”, afirmou. “É uma proposta de trabalhar em conjunto para ver o que está arquivado, parado, e o que pode ser melhorado.”
Há oito anos, a PGFN só encaminha para a execução fiscal créditos que já passaram por algum tipo de cobrança administrativa, como registro e protesto da dívida. “Mas isso não é comum nos Estados, nos municípios e nos conselhos de representação”, ponderou. Assim, como há o ajuizamento de muitos processos de execução pelos entes sem uma qualificação prévia, “isso tem criado um grande ruído com o Judiciário”, explicou.
Uma das iniciativas da portaria será a criação de varas para centralizar a análise de processos de execução que estão parados. O exemplo vem do TRF-4 (da 4ª Região), que separou uma vara única para fazer o “pente-fino” nos processos. “Assim, as varas de execução podem focar nos processos mais novos, de localização de bens, monitoramento e combate à fraude, agilizando a execução”, disse.
Estados desistem de elevar alíquota de ICMS
Data: 20/12/2023
Dos seis Estados do Sul e Sudeste que anunciaram em novembro aumento de alíquota modal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), dois, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, voltaram atrás e São Paulo diz que não vai enviar à Assembleia Legislativa, “neste momento”, a proposta de elevação da alíquota-padrão do imposto.
As propostas para elevar o imposto precisam ser aprovadas pela casa legislativa de cada Estado ainda em 2023 para poder valer a partir de 2024. Além disso, precisam respeitar a anterioridade de 90 dias para que os aumentos entrem em vigor. No Paraná e no Rio de Janeiro o aumento do imposto já foi aprovado pelo Legislativo. O governo paranaense já sancionou na semana passada a lei que eleva para 19,5% a alíquota-padrão do ICMS do Estado. No Rio a expectativa é que o projeto de lei que aumenta o ICMS padrão para 20% seja sancionado ainda nesta semana.
A decisão de elevar a alíquota constou de carta veiculada em novembro e assinada também pelo Estado de Minas Gerais. No documento, os seis Estados argumentaram que o texto de reforma tributária aprovado no plenário do Senado Federal estabeleceu mecanismo de distribuição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que vinha “induzindo” Estados a um movimento generalizado de elevação de alíquotas de ICMS. O IBS é o novo imposto que será criado com a reforma tributária.
O governo de São Paulo chegou a publicar a carta no Portal da Secretaria de Fazenda, em novembro. Procurada, a assessoria de imprensa do órgão diz que “a posição de São Paulo é não enviar agora, neste momento, a proposta de elevação de alíquota modal”.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, anunciou ontem na rede X (ex-Twitter) que a alíquota do ICMS do Estado deverá permanecer em 17% em 2024. O governo capixaba desistiu, portanto, de elevar o imposto para 19,5%.
Na postagem, Casagrande ressalta que a reforma tributária aprovada na última sexta pela Câmara dos Deputados retirou o artigo que previa que a receita futura dos Estados seria a média de arrecadação de ICMS de 2024 a 2028. “Essa medida eliminou o risco de perdemos receita a partir de 2033”, diz o governador. No Rio Grande do Sul o governador Eduardo Leite anunciou na segunda à noite a retirada do projeto de lei para aumentar o ICMS padrão de 17% para 19,5% da pauta da Assembleia Legislativa do Estado. O anúncio veio diante da falta de consenso para garantir a aprovação do projeto.
Segundo a assessoria de imprensa da Fazenda gaúcha, a proposta não teve receptividade para avançar na Assembleia. “Como alternativa ao aumento das alíquotas e para garantir receitas que são fundamentais para o Estado no futuro, o governo também já havia anunciado um plano de revisão de benefícios fiscais, implementado por decretos estaduais”, diz a Fazenda. Os decretos foram publicados no último sábado, dia 16.
Fontes próximas a governos estaduais do Nordeste dizem que na região esse movimento de suspender aumentos de ICMS anunciados não deve acontecer. Em outubro, Pernambuco e Paraíba aprovaram medidas no mesmo sentido, após o Ceará também ter aumentado a alíquota. Esses Estados também alegaram que o aumento do imposto vai ajudar a recompor as perdas da Lei Complementar (LC) 192 e da LC 194, as duas de 2022, que resultaram em corte de alíquotas de ICMS em setores importantes para a arrecadação dos Estados, como combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Procurado, o governo pernambucano não se manifestou.
Parte dos Estados do Sul e do Sudeste prosseguiu com as propostas. No Rio de Janeiro, o projeto de lei que aumenta de 18% para 20% a alíquota modal do ICMS foi aprovado no último dia 6. O prazo para o governador Cláudio Castro (PL) sancionar ou vetar o texto é de 15 dias úteis. “A tendência é que seja sancionado ainda nesta semana”, conta fonte que acompanha de perto o assunto. A expectativa do autor do projeto, o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSD), é de que, uma vez em vigor, a lei produza um impacto positivo de R$ 1,9 bilhão na arrecadação fluminense em 2024. Nesse caso, a nova alíquota modal entraria em vigor a partir de abril do próximo ano, considerando os prazos legais, inclusive a noventena.
Para 2025, quando a nova alíquota já estaria em vigor desde janeiro, a projeção é de arrecadação extra em torno de R$ 2,3 bilhões, diz o parlamentar. Rocha explica que sua intenção com o projeto inclui a “recomposição de perdas” com as LCs 192 e 194/2022. O deputado cita estimativa do Comsefaz, o comitê que reúne secretários de Fazenda, de que, no caso do Rio de Janeiro, as perdas provocadas pelas duas leis tenham somado R$ 8,5 bilhões no período de julho de 2022 a junho de 2023.
No Paraná já foi publicada na semana passada a Lei 21.850/23, que aumenta a alíquota-padrão do ICMS de 19% para 19,5% a partir de 2024. É o segundo aumento de ICMS do Estado desde 2022. O primeiro foi de 18% para 19%.
Procurado, o governo paranaense informa que aguarda a promulgação da PEC da reforma tributária para iniciar as análises técnicas do seu conteúdo. O projeto de lei já aprovado no Estado pela Assembleia Legislativa, diz a nota, tem o intuito de equilibrar as receitas do Estado, atingidas pelas alterações impostas nos últimos anos pelo governo federal.
“Justamente por isso o projeto contemplou a redução na alíquota do gás natural de 18% para 12%, medida que vai beneficiar mais de 80 mil estabelecimentos comerciais”, diz a nota. O governo paranaense ressalta ainda que estuda a retirada de 7,5 mil itens do regime de substituição tributária do ICMS, o que atenderia reivindicação do setor produtivo para conferir competitividade às empresas do Paraná.
Procurado, o governo de Minas Gerais não se manifestou. (Colaboraram Cibelle Bouças, de Belo Horizonte, e Marina Falcão, do Recife).
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/12/20/estados-desistem-de-elevar-aliquota-de-icms.ghtml
Mudança na reforma permite incidência de tributo sobre tributo
Data: 20/12/2023
Mudanças de última hora na reforma tributária vão manter a incidência de impostos na base de outros impostos pelo menos até 2032 e podem postergar isso até depois da fase de transição no caso do IPI. Uma supressão na votação final pela Câmara dos Deputados criou a possibilidade de que o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) componha a base de cálculo do ICMS e ISS, algo que até então estaria proibido.
A sugestão partiu da Secretaria Extraordinária do Ministério da Fazenda para a Reforma Tributária, que a considera um “ajuste técnico” para manter a arrecadação dos Estados, municípios e governo federal durante a fase de transição, entre 2027 e 2032. Essa incidência já ocorre hoje e, se fosse eliminada, haveria perda de receitas de 9%. O relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), negou a possibilidade de haver incidência de um imposto sobre outro e afirmou que a medida suaviza a transição para Estados e municípios.
Advogados e economistas, contudo, avaliam que o tema já é questionado no Judiciário, deve provocar novos litígios e pode resultar em aumento da carga tributária.
A mudança feita por Ribeiro na sexta-feira permitirá que União, Estados e municípios cobrem IPI, ICMS e ISS, respectivamente, sobre valores da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS e Cofins (dois tributos federais).
Ele suprimiu a vedação a que a CBS integre a base de cálculo do ICMS e ISS. Essa proibição explícita constava do texto aprovado em julho na Câmara e em novembro no Senado, mas saiu de forma discreta na versão apresentada sexta-feira. Ficou apenas a proibição de que a CBS e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) integrem a própria base de cálculo, do recém-criado Imposto Seletivo e do PIS/Cofins.
“Não acho uma boa prática, poderia estar fora desde sempre” — Vanessa Canado.
No caso do IPI, já não havia vedação no texto, mas o imposto seria zerado e extinto com a reforma. Agora, será mantido para taxar produtos “que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus”, mas não sejam fabricados na região, de forma a garantir as vantagens competitivas das empresas que se instalaram na cidade. A manutenção do IPI foi a forma encontrada para poder promulgar o texto nesta quarta-feira em consenso com o relator do Senado, Eduardo Braga (MDB), que foi eleito pelo Amazonas.
O fim da vedação à cobrança da CBS e IBS dentro da base de cálculo do ICMS, IPI e ISS passou despercebido na Câmara e não constou do relatório em que Ribeiro explicou as alterações feitas. A oposição protestou contra a divulgação do parecer já durante a sessão, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não concordou com os apelos pelo adiamento da matéria.
“Tivemos preocupação com a federação”, afirma Ribeiro, ao defender as mudanças no parecer.
No caso do IPI, a manutenção foi a saída encontrada para evitar alterações na PEC que exigissem nova votação pelo Senado, o que inviabilizaria a promulgação este ano. “Mas garanto: não haverá incidência de um imposto sobre o outro. O acordo é para que o IPI apenas mantenha as vantagens competitivas da Zona Franca de Manaus. Na lei complementar, amos fazer a regulamentação para impedir isso [incidência].”
Para o tributarista Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich Vasconcelos Advogados, o ICMS e o ISS terem saído do texto causa estranhamento porque eles estavam desde o primeiro texto da Câmara. “A Câmara votou o mesmo texto duas vezes. O Senado também. Agora volta para a Câmara e eles tiram ISS e ICMS para aumentar a arrecadação”, diz.
Segundo o advogado, conceitualmente, há um problema na tributação porque o IBS/CBS não é o preço da circulação de mercadoria do ICMS e nem o preço para fins de incidência do ISS e IPI. “A prova de que não é preço é que eu recupero o IBS/CBS que foi pago. Mas para fins de ISS e ICMS vai ser como preço”, afirma. Isso, argumenta, causará um grande potencial de litígios. “Pelo menos durante os quatro anos da transição de ICMS e ISS para IBS vai haver um possível contencioso relativo a tributo na base de tributo.”
Vasconcelos acredita que o tema poderá gerar contencioso se leis que regulamentarem IPI, ICMS e ISS durante a transição tiverem previsão expressa da incidência. “Tributo na base de tributo é uma criação brasileira para arrecadar mais”, afirma.
Está em análise pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) se é válida a incidência de PIS e Cofins na base do ICMS. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, em 2017, contra o inverso disso e proibiu que o ICMS seja contabilizado na apuração dos valores que devem ser pagos de PIS/Cofins.
O advogado Bruno Checchia, sócio do Bichara Advogados, afirmou que a mudança é “esquisita”. “O IBS e CBS serão calculados para manter a atual arrecadação, só que o ICMS, ISS e IPI vão incidir sobre eles também, então acho que vai haver aumento de tributação”, afirma. Para evitar isso e garantir a manutenção da atual carga tributária, ele defende que a alíquota do IBS/CBS deve ser calculada já considerando que os próprios IBS/CBS comporão a base de cálculo do ICMS/ISS. “Caso contrário, teremos aumento de tributação”, diz. Há risco, alerta, de que essa redação gere novo contencioso na Justiça.
A economista Vanessa Canado, que participou da formulação inicial da proposta de emenda à Constituição (PEC), destacou que há trava contra o aumento da carga tributária e que, após a fase de transição, essa incidência do tributo federal na base de cálculo do imposto estadual e municipal não será mais um problema, mas que não considera a alternativa aprovada agora a melhor. “Sinceramente, não acho uma boa prática, poderia estar fora desde sempre. Vejo como uma manutenção do status quo e não como correção de erro técnico”, diz.
A mudança pegou de surpresa até quem estava acompanhando de muito perto a reforma. Representantes dos Estados e municípios procurados pelo Valor disseram que não pediram a alteração. Ex-secretário da Fazenda do Ceará, o economista e deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE) foi alertado pelo Valor sobre a mudança. “É uma mudança profunda, de mérito. Isso me preocupa”, disse. Ele procurou técnicos e o secretário extraordinário para a Reforma Tributária, Bernard Appy, que confirmou o “ajuste técnico”. “Hoje o PIS/Cofins é cobrado dentro da base de cálculo do ICMS e impedir isso durante a transição levaria a perda de arrecadação de 9% a 10% do ICMS, segundo o Appy. Foi uma mudança para preservar a carga tributária dos Estados até 2032”, relatou Benevides.
Procurado, Appy confirmou a conversa com o deputado e ressaltou que, na visão da secretaria, não haverá aumento da carga tributária, apenas a correção de um ajuste para que não haja perda de arrecadação com ICMS, ISS e IPI.
Carf: entre meta fiscal, paridade e renúncias
Data: 20/12/2023
Em 20 de novembro, os auditores fiscais da Receita Federal deflagaram movimento grevista, encabeçado pelo seu sindicato. Considerando que a metade dos conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) faz parte dos quadros desse serviço público federal, a paralisação reflete no funcionamento do tribunal administrativo pela ausência de quórum regimental para julgamento, suspendendo-se suas sessões. Isso não é novidade.
Na última década o Carf já enfrentou diversas paralisações idênticas – desde 2016, pelo mesmo motivo, até hoje não resolvido, ainda que ocorridas concessões, mas sem nenhuma efetivação. Greves para a reivindicação de direitos e pretensões, em termos pragmáticos e históricos, tornou-se praxe institucional de carreiras públicas, normalmente resolvidas com negociação, não havendo, aqui também, qualquer inovação.
A única diferença veio da própria União, que, dessa vez, levou por meio de sua advocacia a Petição nº 16.334/DF ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), visando reprimir o movimento, alegando que a deliberada suspensão ou redução das atividades dos auditores fiscais são suficientes para causar prejuízos irreparáveis à sociedade e às metas fiscais de 2024. Sobre o Carf se afirmou que, por ser órgão paritário, seria necessário manter o trabalho de todos os servidores lá alocados (indicados pelo Fisco), posto que um número inferior de julgadores fazendários resultaria em quebra de quórum, diante de franco desequilíbrio processual.
A relatora do feito, ministra Regina Helena Costa – registre-se e se esclareça, uma das maiores tributarista em atividade -, concedeu a liminar pleiteada determinando “a retomada das sessões de julgamento do Carf durante o período de greve, com vista a garantir a presença do quórum paritário essencial para a continuidade das funções dos órgãos colegiados”.
Para aqueles que transitam pelo Carf imediatamente, aqui, surgiu uma indagação: o que seria “quórum paritário essencial”? Isso porque, apesar de garantida de paridade na constituição dos colegiados pelo Decreto nº 70.235/72, que rege esse processo, não há obrigação de funcionamento com todos seus membros. A fixação do quórum mínimo está no artigo 54 do Regimento Interno, rezando que as turmas só deliberarão quando presente a maioria de seus julgadores.
A aplicação desse dispositivo tem interpretação confirmada no Manual do Presidente dos Colegiados, documento público até agosto de 2021, o qual, depois, repentinamente ficou restrito àqueles que presidem. Pelo menos até o seu sigilo, lá ficava claro que deveria ser conduzido o julgamento apenas com maioria simples, com pelo menos um conselheiro de cada indicação, pública e privada.
Muitas turmas ordinárias operaram oficialmente com apenas 2 ou 3 conselheiros indicados pelos contribuintes e 4 pela Fazenda Nacional entre 2015 e 2016, durante o preenchimento das tantas vagas antes renunciadas. Nunca se entendeu que haveria a necessidade de paridade simétrica para proceder ao julgamento, inclusive com majoritário aval do Poder Judiciário quando acionado. Essa interpretação evidencia e reforça a premissa de imparcialidade de qualquer conselheiro no exercício do controle de legalidade e jurisdição.
Nova surpresa foi a adoção da interpretação de que seria obrigatória a promoção de julgamentos, sob estrita paridade, em nova decisão do dia 15 deste mês no mesmo feito no STJ, declarando que “a previsão de composição paritária tem o objetivo de estabelecer uma igualdade material nos julgamentos, sob pena de comprometer-se as próprias natureza e finalidade do Carf”.
Pois bem, independentemente de qualquer análise opinativa sobre essa afirmação – que está dentro de tese invocada pelos contribuintes no passado, diga-se – é certo que se estabeleceu a proposição de que uma decisão do Carf somente teria validade se exarada em total equilíbrio de origem dos julgadores, condenando à ilegalidade as previsões do Regimento Interno e orientações daquele Conselho, sob os quais milhares de acórdãos foram proferidos.
O que mais se teme, na verdade, é que a presunção equivocada de que cabe ao conselheiro defender ou ser um emissário do setor que lhe indicou tenha ganhado crédito e relevância, absolutamente infundados, posto que refutada pelo fato, divulgado pelo próprio Carf mensalmente, de que 97% das decisões são tomadas por unanimidade ou maioria, representando, em termos de valores sob litígio, em torno 82% de acordo com pesquisa do Insper em 2020.
Essa ideia ficcional, que supera os fatos, é nutrida também por discursos que recentemente testemunhamos, em que se transformou julgadores técnicos em detentos prisionais e contribuintes, que apenas exercem o direito de questionar a legitimidade do que lhes é imposto, em delinquentes, assumindo que toda obrigação tributária sob litígio é parcela de arrecadação represada – há nessas falas um certo autoritarismo, não?
Divergências ideológicas e condenações aos modelos vigentes, assim como às instituições operantes, têm lugar de honra no parlamento, onde democraticamente se definem obrigações, deveres e mudanças. Porém, transportá-las diretamente para a aplicação de normas já postas, na execução da derradeira atividade tributária, somente gera conflito e instabilidade nas delicadas relações entre o público e o privado, além de furtar o sentimento de segurança depositado no sistema jurídico.
Por fim, diante da situação em que o Carf agora se encontra, parcialmente paralisado, com suspensões no mesmo dia dos julgamentos, retorno incerto e firme promessa de renúncia coletiva dos conselheiros da carreira de auditor fiscal (o que inviabilizaria o processo administrativo tributário federal por longo período), temos que refletir se os meios e os esforços para alcançar metas fiscais imediatas – louváveis, nesse fim almejado -, conforme textualmente expresso no pleito da União ao STJ, não estariam custando as conquistas de cooperatividade nas relações tributárias e parcela do patrimônio republicano institucional construído no último século.
Caio Cesar Nader Quintella é sócio de Nader Quintella Consultoria, ex-vice-presidente da 1ª Seção do Carf e ex-conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais.
https://valor.globo.com/legislacao/coluna/carf-entre-meta-fiscal-paridade-e-renuncias.ghtml
Fisco regulamenta exclusão de juros e multa para contribuintes derrotados no Carf
Data: 21/12/2023
A Receita Federal regulamentou a exclusão dos juros de mora no caso de o contribuinte que perder no proferida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidir fazer acordo com a Fazenda. Os juros serão excluídos no caso de pagamento do débito tributário, no prazo de 90 dias, após ser derrotado em julgamento por meio do voto de qualidade — desempate por um representante do Fisco.
Além disso, o contribuinte também se livra da multa decorrente de infração mantida por voto de qualidade e fica cancelada a representação fiscal para os fins penais — comunicação ao Ministério Público para eventual denúncia criminal.
Os detalhes para o aproveitamento dos benefícios estão na Instrução Normativa nº 2167, da Receita Federal. A norma, publicada nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, trata do voto de qualidade previsto no parágrafo 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 1972.
A IN deixa claro que a decisão administrativa precisa ser definitiva e o prazo de 90 dias começa a ser contado a partir da ciência do contribuinte sobre o acórdão.
Os créditos tributários incluídos nesse acordo poderão ser pagos em até 12 prestações, mensais e sucessivas, com redução de 100% dos juros de mora. Chama a atenção que, para o pagamento, poderão ser usados tanto créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), quanto precatórios.
Deferido o parcelamento, os débitos em discussão não podem mais ser exigidos pelo Fisco. O valor de cada prestação será acrescido de juros Selic, mais 1% ao mês. Será excluído do parcelamento o contribuinte inadimplente por mais de 30 dias.
- ESTADUAIS:
- MUNICIPAIS:
São Paulo vai negociar débitos de IPTU e ISS
Data: 21/12/2023
O município São Paulo publicou dois editais para contribuintes regularizarem débitos de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS) inscritos em dívida ativa por meio da chamada transação. Com descontos de 65% a 95% sobre multa e juros, a prefeitura quer reduzir em 15% o estoque de ações de cobrança (execuções fiscais) relativas a esses impostos, que chega a cerca de R$ 7 bilhões.
Ao todo, 46 categorias têm direito de aderir ao programa, aberto até 30 de abril de 2024. Mas a medida, divulgada na semana passada, beneficia principalmente empresas do setor cultural e de turismo, mais afetadas pela pandemia da covid-19.
No caso do IPTU, a adesão é válida para qualquer imóvel no Centro Histórico de São Paulo, em uma tentativa de revitalizar a região. Empresas que recolhem o ISS pelo Simples Nacional também estão elegíveis – é a primeira transação tributária do município que permite negociar dívidas desse regime de tributação.
O principal objetivo é reduzir o estoque de litígios, porque a contrapartida para a adesão é renunciar todas as disputas judiciais referentes a esses tributos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) atualizados até o fim de outubro deste ano, há mais de 26,9 milhões de execuções fiscais no Brasil, o que corresponde a 32% de todas as ações movidas na Justiça. Dois terços dos processos se referem a IPTU. No município de São Paulo, são 2 milhões de processos dessa natureza, quase metade suspensa ou arquivada.
O conselheiro Marcello Terto, coordenador das atividades da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário do CNJ, diz que as execuções fiscais representam 88,4% do congestionamento na Justiça. O porcentual é medido pela quantidade de processos pendentes de solução, em relação ao total que tramitou durante o período-base.
Essa semana, o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou que negocia com o Ministério da Fazenda um acordo nacional para engavetar execuções fiscais paradas há mais de um ano, sem devedor citado ou bens identificados.
A transação permite o pagamento do IPTU e ISS atrasados com desconto de 95% sobre os juros, multa e honorários advocatícios, se pago à vista, ou de 80%, se parcelado. É possível dividir o valor devido em 120 parcelas de, no mínimo, R$ 25 para pessoas físicas e R$ 150 para jurídicas. No caso de contribuinte do Simples Nacional, o desconto é de 65%. Se a primeira parcela não for paga em até 60 dias, o acordo é cancelado. Também não é possível escolher quais créditos inserir na transação, é preciso inserir todos os elegíveis.
Especialistas consideram a transação tributária uma “nova forma de diálogo com o Fisco” e um avanço em relação aos antigos Programas de Recuperação Fiscal (Refis). Criada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em 2020, a transação, ao contrário do Refis, condiciona a adesão ao cumprimento de acordos antigos. “A tônica das transações é ter conformidade, não ter novos débitos, ter certidão de regularidade fiscal e se demonstrar um bom contribuinte”, diz André Melon, sócio do Cescon Barrieu.
As transações também têm sido uma alternativa mais eficaz para aumentar a capacidade dos entes federativos recuperarem créditos que demoram anos para receber ou não recebem. “As execuções fiscais têm um grau de recuperabilidade paras os municípios muito baixo, por isso, há um esforço para se fazer cada vez mais transações, tanto para se recuperar os créditos, quanto para diminuir os litígios”, afirma Fernanda Lains, sócia do Bueno Tax Lawyers.
Para ela, o edital da prefeitura é uma “versão melhorada” do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), do governo federal, pois reduz o rol de categorias que podem ser beneficiadas e não condiciona a adesão a um cadastro. Fernanda menciona, porém, que a medida pode ter cunho arrecadatório e eleitoreiro. “As prefeituras querem fazer caixa para conseguir entregar projetos de campanha, já que o ano que vem é eleitoral”, acrescenta.
Essa demora em lançar uma medida para o setor se deve aos ajustes normativos e tecnológicos que precisaram ser feitos entre 2020 e março de 2023, afirma a procuradora diretora do Departamento Fiscal da Procuradoria Geral do município de São Paulo, Priscila Widmann. Em abril, um primeiro edital semelhante foi publicado e a adesão foi de cerca de 10% do estoque.
Hoje, as execuções começam em até R$ 0,02 centavos. No caso do Simples Nacional, quase metade envolvem quantias abaixo de R$ 100. A maioria dos valores já estava provisionada pela prefeitura, que não encarava os créditos como recuperáveis.
“No Brasil, o ciclo de vida de uma empresa é muito baixo e o índice de mortalidade é enorme, então muitas delas não conseguimos localizar, outras não têm patrimônio suficiente e até chegar na cobrança judicial, demora”, afirma Priscila.
Ela destaca que 322 mil contribuintes são elegíveis para transações, com 980 mil dívidas diferentes – 850 mil do Simples Nacional. A procuradora recomenda a regularização dos débitos para esses contribuintes continuarem no regime favorecido.
A iniciativa de São Paulo é parte da 1ª Semana de Regularização Tributária, que ocorreu entre os dias 11 e 15 deste mês, promovida pelo CNJ. Outras prefeituras criaram medidas semelhantes, como Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte, mas com outros termos, prazos e impostos.
Segundo Marcello Terto, a ideia é tornar o CNJ o “ponto focal” desse tipo de política. “Por meio da atuação conjunta e cooperativa entre o Poder Executivo, Judiciário e os órgãos de controle, poderemos fortalecer o sistema tributário como um todo, melhorar a eficiência do Poder Judiciário e contribuir para um ambiente tributário mais justo, transparente e acessível”, diz.
A adesão poderá ser feita pelo site: https://fiqueemdia.prefeitura.sp.gov.br/tdm/Home
NOTÍCIAS SOBRE DECISÕES ADMINISTRATIVAS FEDERAIS:
Carf mantém Imposto de Renda sobre repatriação de offshore
Data: 22/12/2023
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) impôs uma derrota a contribuintes que aderiram ao Regime de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) do ano de 2016 e optaram pela repatriação de cotas em empresas offshore. O órgão entendeu que incide Imposto de Renda (IR) sobre a variação cambial posterior referente a esses valores – e como rendimento, não ganho de capital.
Essa mudança de conceito implica um aumento no teto da alíquota de IR de 22,5% para até 27,5%. Ainda pode resultar na aplicação de multa de 125%, no caso de também ter havido omissão na declaração.
Especialistas avaliam que o precedente é grave porque autuações fiscais do tipo têm se tornado frequentes aos contribuintes que aderiram ao programa de 2016. Segundo dados divulgados pela Receita Federal, o RERCT registrou adesão de mais de 25 mil pessoas físicas e empresas e resultou na declaração de R$ 170 bilhões em recursos no exterior, rendendo mais de R$ 50 bilhões em impostos e multas para o caixa da União. Agora, as autuações sobre a variação cambial podem engordar a conta do governo.
A decisão da 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf, por maioria dos votos, trata de uma declaração de capital de mais de R$ 1,2 bilhão na offshore West Pacific Investment Holding Inc., nas Bahamas. O valor declarado foi de US$ 466 milhões, registrado em 25 de outubro de 2016, montante trazido ao Brasil em dez parcelas, entre 2016 e 2017 (Processo nº 12448.725560/2021-33).
“As devoluções de capital da West Pacific realizadas em outubro de 2016, no valor de US$ 130 milhões, e nos meses de setembro a dezembro de 2017, no valor de US$ 310 milhões, caracterizam acréscimo patrimonial tributável oriundo da variação cambial existente entre a data de regularização do ativo e das respectivas devoluções”, diz a atuação da Receita Federal. Os “rendimentos obtidos no exterior” foram calculados pela Receita em mais de R$ 177 milhões.
“Para que haja o benefício da extinção das obrigações tributárias seria necessária comprovação de correspondência inequívoca entre o fato gerador da obrigação tributária e os bens e direitos regularizados, o que não ocorreu no lançamento [fiscal]”, diz a decisão do Carf.
“Carf incorreu em ilegalidade e violou a legislação tributária” — Caio Malpighi.
“Isso é uma coisa absurda! A gente adere ao programa, traz o dinheiro e depois toma uma multa”, diz o investidor condenado pelo Carf, pedindo para não ser identificado. A primeira parcela dos recursos, diz ele, foi trazida exatamente para pagar as multas e encargos do programa de repatriação, como autorizado pela própria Receita. Depois, ele teria sido autuado sobre o mesmo valor.
Pela Lei nº 13.254, de 2016, a pessoa física que aderisse à repatriação deveria pagar 15% de IRPF e 15% de multa.
O advogado do caso, José Andrés Lopes da Costa, comenta que um dos problemas da autuação é a cumulação de multas, somando multa por omissão na declaração (50%) e a multa por lançamento de ofício pela Receita (75%). “Como a pessoa iria declarar se não sabia que incidiria imposto?”, diz. O outro ponto, afirma, é a autuação misturar os conceitos de ganho de capital e rendimento.
Ele aponta uma contradição da Receita Federal porque o cálculo do Fisco foi feito como se fosse um ganho de capital – comparando o custo de aquisição com o de alienação -, mas sobre esse valor é aplicada a alíquota de rendimento. “Ganho de capital não é renda”, resume Costa.
Para especialistas que acompanham o tema, a decisão é inédita e traz uma sinalização preocupante sobre o posicionamento do Carf. Um ponto criticado é a decisão do Carf reproduzir na íntegra a posição da Receita Federal na Solução de Consulta Cosit 678/2017. A norma, que orienta os fiscais do país, gerou polêmica na época por causa da “confusão de conceitos entre ganho de capital e rendimento”.
Para Joanna Rezende, sócia da área de Wealth Planning do Velloza Advogados, o problema está nessa confusão. “A decisão conclui que na redução de capital da empresa offshore, ao invés de ter ganho de capital, há um rendimento ordinário. É como se estivesse dizendo que o contribuinte teve acesso a uma distribuição de dividendos”, compara.
Ela afirma que conhece vários casos semelhantes. “Essa decisão é grave porque mostra o Carf se manifestando da mesma forma que a Receita Federal”, diz. No caso, a autuação fiscal tem dois problemas, segundo ela: admite tributar a variação cambial em um investimento com valor original em dólar, e ainda trata esse ganho como rendimento.
A variação cambial é tratada na Lei das Offshore nº 14.754/2023 (leia abaixo), que adota posição contraditória à do Carf. “A variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior comporá o ganho de capital percebido pela pessoa física”, diz o artigo 7º.
Na opinião do advogado Caio Cezar Malpighi, do Vaz, Buranello, Shingaki & Oioli Advogados, a Lei 14.754 muda o cenário e institui a tributação da variação cambial do investimento em dólar. Mas, diz ele, pode servir de argumento para quem questiona na Justiça as autuações anteriores à sanção da lei.
Para Malpighi, a decisão do Carf cria um novo tipo de fato gerador para quem aderiu ao programa de repatriação. “Agora querem tributar o ganho cambial com a liquidação de investimento feito em moeda estrangeira”, diz o tributarista.
O problema, afirma ele, é que na origem esses recursos já estavam em dólar, então não cabe tratar a variação cambial como ganho tributável. “O Carf incorreu em ilegalidade e violou a legislação tributária ao julgar como tributável o ganho de variação cambial no caso da devolução de capital de offshore cujo investimento foi realizado originalmente em moeda estrangeira.
Segundo Daniel Clarke, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, a decisão do Carf diz que a declaração dos recursos ao RERCT equivale à saída de recursos do Brasil, fazendo incidir IR sobre a variação cambial potencial. “Ao decidir dessa forma, permanece um cenário de insegurança jurídica para os contribuintes que aderiram ao programa”, diz.
Para Clarke, a confusão de conceitos entre ganho de capital e renda pode levar o tema ao Judiciário. “Na manifestação da Receita na consulta de 2017, replicada em 2019, a posição foi muito criticada”, diz.
NOTÍCIAS RELACIONADAS A DECISÕES JUDICIAIS
- FEDERAIS
STJ decide não modular decisão contra cobrança de contribuição pelo Senai
Data: 18/12/2023
Por maioria, o colegiado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, na última quarta-feira (13/12), não modular os efeitos da decisão que determinou que o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) não tem legitimidade para cobrar a contribuição adicional de 0,2% sobre a folha de pagamento de empresas com mais de 500 funcionários, destinada a incentivar programas de formação profissional. A decisão foi tomada no âmbito do EREsp 1571933/SC .
O relator, ministro Gurgel de Faria, rejeitou a proposta do ministro Mauro Campbell Marques, que sugeriu, em sessão anterior, que a ilegitimidade do Senai para efetuar a cobrança só tivesse efeitos “para frente”. Faria entendeu que, por não ser de observância obrigatória pelos demais tribunais, a decisão em embargos de divergência não ensejaria modulação. Para o magistrado, no caso concreto, “não se mostra recomendável, já que poderia se tornar inócua a modulação de efeitos”.
Os ministros decidiram pela ilegitimidade do Senai para a cobrança da contribuição em setembro. Na ocasião, prevaleceu o entendimento do ministro Gurgel de Faria. Na avaliação do julgador, o Decreto 60.466/1967, no qual o Senai se fundamenta para sustentar sua legitimidade para a cobrança, foi tacitamente revogado após a Lei 11.457/2007, conhecida como Lei da Super Receita. Na ocasião, o ministro Mauro Campbell defendeu a modulação dos efeitos da decisão, sob o argumento de que o Senai realiza a cobrança direta há 70 anos.
A advogada da Cia Hering, Anete Mair Maciel Medeiros, do Gaia Silva Gaede, considerou correta a opção do colegiado pela não-modulação. Segundo ela, caso houvesse modulação “para frente” no caso concreto, o contribuinte teria uma vitória esvaziada, já que buscava anular dois autos de infração lavrados no passado.
“[As autuações] ficaram canceladas no caso concreto da Hering. Nós entendemos que a jurisprudência [contra a cobrança pelo Senai] vai ser mantida, independente da saída da ministra Assusete Magalhães [que deve se aposentar] e dos ministros Paulo Sérgio Domingues e Afrânio Vilela, que não votaram [em relação ao tema]”, acredita.
Já a gerente de contencioso do Sesi e Senai, Christiane Pantoja, afirmou que o próximo passo será buscar que o assunto seja objeto de análise sob o rito dos recursos repetitivos. Pantoja observou que, embora a posição de quarta-feira (13/12) nos embargos de divergência não seja vinculativa, a tendência é que os tribunais em todo o território nacional passem a aplicá-la. Assim, para a advogada, é essencial garantir a modulação de efeitos “para frente” em sede própria, ou seja, o recurso repetitivo, a fim de evitar que o Senai sofra efeitos retroativos.
Segundo ela, a sugestão de análise da questão sob o rito repetitivo foi levada ao ministro Gurgel de Faria. Durante a sessão, Faria afirmou que pediu o auxílio da Comissão Gestora de Precedentes do STJ para encontrar processos que poderiam ser afetados como paradigmas para um eventual julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. “Por ora, pelo menos no meu gabinete, não temos [processos tratando da mesma questão]”, comentou o ministro.
Christiane Pantoja acredita ainda que as entidades podem obter decisões favoráveis sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF). A advogada citou precedente que, em seu entender, legitima a cobrança da contribuição pelas entidades: o AgRg no AgInt 839196, julgado em 2011, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. “O STJ diz que não há uma lei, só decretos-lei, respaldando a cobrança pelas entidades. Nesse julgado, o ministro Gilmar diz que os decretos-lei foram recepcionados pela Constituição de 1988 como se lei fossem”, argumenta. Outro precedente favorável do STF, segundo ela,seria o ARE 1115046, de agosto de 2023.
STF autoriza extinção de execução fiscal de baixo valor
Data: 19/12/2023
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor e que o ajuizamento dessa forma de cobrança dependerá da adoção de algumas medidas prévias, como tentativa de conciliação e protesto. A decisão, por maioria de votos, se deu em julgamento com repercussão geral. Portanto, a decisão deverá ser seguida pelas instâncias inferiores.
“Estamos acolhendo a possibilidade de alguns caminhos para tentativa de conciliação ou soluções administrativas”, afirmou a relatora, ministra Cármen Lúcia, acrescentando que podem ser adotadas câmaras de conciliação ou outras medidas. Para o ministro Luís Roberto Barroso, o caminho mais eficiente é o do protesto.
O ministro Gilmar Mendes lembrou que o protesto é pouco eficiente para algumas situações, como casos que envolvem pessoas jurídicas. A relatora e o ministro Barroso destacaram, porém, que ainda poderá ser adotada a execução fiscal em vez do protesto, desde que a escolha seja motivada.
Para a relatora ministra Cármen Lúcia, o juiz pode extinguir os processos de execução fiscal de baixo valor caso não tenham sido tentadas outras alternativas de cobrança, como o protesto em cartório ou conciliação. Na sessão de hoje, o voto foi seguido pela maioria dos ministros. Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e, parcialmente, Luiz Fux.
“A execução fiscal é o maior gargalo da Justiça brasileira e essa decisão vai permitir que nós possamos avançar de maneira significativa na redução do estoque das execuções fiscais existentes no país”, afirmou Barroso na conclusão do julgamento.
Na repercussão geral, a Corte decidiu que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado (que podem, por exemplo, ter leis indicando o que consideram pequeno valor).
O ajuizamento da execução fiscal, de acordo com a decisão, dependerá da prévia adoção das seguintes providências: tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa e protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa comprovando-se a inadequação da medida. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão dos processos para a adoção das medidas acima devendo o juiz ser informado do prazo para as medidas cabíveis.
Caso concreto
O caso julgado envolve o município de Pomerode (SC), que cobra judicialmente uma dívida de ISS no valor de R$ 521,84 de uma empresa de energia elétrica (RE 1355208). Na Justiça Estadual, o valor foi considerado irrisório, com base em um limite estabelecido pelo Estado.
De acordo com o processo, em Pomerode existem 2.807 contribuintes devedores e, destes, 1.571 devem valores abaixo de R$ 1 mil, menos de um salário mínimo. No município, as execuções de pequeno valor totalizam cerca de R$ 1 milhão, o que seria significativo para o orçamento.
O município recorreu de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC) que extinguiu a ação. O STF já havia se manifestado sobre o tema, mas em uma época em que a Fazenda Pública não tinha meios legais além do ajuizamento da execução fiscal para forçar o pagamento da dívida. Por isso, segundo Carmen Lúcia, agora seria hora de reconsiderar.
Voto
A ministra Carmen Lúcia destacou em seu voto que precisam ser pensados meios alternativos para essas cobranças, entre elas o protesto. “Existem outros caminhos prévios para localização do devedor e de bens, para evitar que a discussão de uma dívida de R$ 521,84 movimente um processo que chegue até o Supremo, com um ônus financeiro não só para o contribuinte, como para a jurisdição”, afirmou, no voto.
Ainda segundo a relatora, a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.767, de 2012, União, Estados, Distrito Federal, municípios e autarquias estão autorizados a efetuar o protesto das certidões de dívida ativa para reaver seus créditos.
No caso dos protestos, a ministra trouxe dados da Procuradoria-Geral da Fazenda (PGFN), que destacou que o índice de recuperação era de 1% a 2%, em 2013, quando a lei entrou em vigor e, agora passou de 15% a 19%. Ou de R$ 15 bilhões em 2012 para quase R$ 40 bilhões, atualmente.
Execução fiscal
Segundo o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou na sessão em que o julgamento foi iniciado, esse é um dos casos mais importantes em julgamento, por tratar da eficiência do judiciário. As execuções representam hoje 64% do estoque dos processos de execução no Poder Judiciário. Das cerca de 80 milhões de ações em curso do Brasil, 34% são de execução fiscal, responsáveis por uma taxa de congestionamento de 88%. ” Isso significa que de cada 100 processo de execução fiscal que tramitaram, só 12 foram efetivamente concluídos.”, disse Barroso.
Segundo levantamento divulgado pelo ministro 28% das execuções fiscais estão abaixo de R$ 2,5 mil reais, 42% das execuções estão abaixo de R$ 5 mil, 52% abaixo de R$ 10 mil reais e 68% abaixo de 30 mil. Segundo Barroso, muitas dessas ações não são concluídas porque não existem dados para que se localize o devedor e nem os seus bens. Além disso, destacou que os meios alternativos como o uso de protesto têm sido mais eficazes tanto na agilidade como na recuperação de valores. Pensando nesse cenário, resolveu pedir vista para tentar trazer parâmetros mais claros para que o juiz possa extinguir a ação.
Crédito presumido de IPI pode ser excluído da base do PIS/Cofins
Data: 20/12/2023
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as empresas podem excluir créditos presumidos de IPI, decorrentes de aquisições de matérias-primas usadas na fabricação de produtos destinados à exportação, da base de cálculo do PIS e da Cofins. O entendimento, por maioria de votos, foi adotado em julgamento no Plenário Virtual.
A posição beneficia os contribuintes que, sem esses créditos no cálculo, vão pagar valores menores de PIS e Cofins. A questão foi julgada por meio de processo da John Deere Brasil.
Os ministros analisaram recurso da Fazenda Nacional (PGFN) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Os desembargadores entenderam que créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei nº 9.363, de 1996, decorrentes da aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, utilizados na elaboração de produtos destinados à exportação, não integram a base de cálculo do PIS e da Cofins. Vale para o regime não cumulativo.
Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Ele destacou que o STF já afirmou que faturamento é a receita obtida com a venda de bens ou prestação de serviços em geral. Para ele, créditos presumidos de IPI constituem receita, com ingressos novos, definitivos e positivos no patrimônio da empresa, mas não significa que se enquadrem no conceito de faturamento.
Os créditos, nesses casos, acrescentou, consistem em uma subvenção corrente – ou seja, em um incentivo fiscal concedido com o objetivo de desoneração das exportações. O voto foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
O ministro Edson Fachin acompanhou o relator “com ressalvas”. Para ele, o entendimento veiculado no voto de Barroso não seria suficiente para afastar a incidência do PIS e da Cofins. O crédito presumido de IPI, afirmou, não possui natureza de benefício fiscal a permitir sua classificação contábil como subvenção de custeio.
No seu entendimento, os créditos presumidos de IPI não integram a base de cálculo do PIS e da Cofins porque são receitas decorrentes de exportações, cuja tributação é vedada pelo artigo 149 da Constituição. O voto foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e André Mendonça, que também ficaram vencidos.
Para Leonardo Branco, sócio do Daniel e Diniz Advogados, manter o crédito na base implicaria não só violação à imunidade das exportações, mas também ao próprio conceito de receita. “O crédito presumido de IPI é simplesmente o ressarcimento de um custo, ou seja, o tributo, não sendo possível se falar em receita. Porque essa recuperação não é uma riqueza nova e não decorre do exercício da atividade empresarial”, diz.
Segundo Caio Morato, do Rayes e Fagundes Advogados Associados, o crédito presumido do IPI não é um benefício, mas uma forma de correção da carga tributária sobre o produto exportado. O caso, afirma, trata da não inclusão desses créditos na base de cálculo do PIS e da Cofins, e não da velha discussão a respeito da incidência de um tributo sobre outro. “O que se discutiu foi o conceito de faturamento, relacionado ao resultado da venda de bens e serviços.”
Crédito presumido de IPI no PIS/Cofins: vence posição próxima à ‘tese do século’
Data: 20/12/2023
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na última segunda-feira (18/12), o julgamento por meio do qual decidiu que os créditos presumidos de IPI não compõem as bases de cálculo do PIS e da Cofins. O resultado favorável ao contribuinte já estava dado desde a manhã de segunda, porém ainda não havia clareza em relação a qual tese seria a vencedora. Ao final, por 6×4, prevaleceu a defendida pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, que aproximava o tema ao que foi decidido na “tese do século”.
O magistrado considerou que, embora constitua receita, o crédito presumido de IPI não se enquadra no conceito de faturamento, pois não é resultado da venda de bens ou da prestação de serviços, mas de um incentivo fiscal para desonerar as exportações. A tese se aproxima da posição adotada pelo STF no julgamento do RE 574706 (Tema 69), a chamada “tese do século”, quando os ministros entenderam que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins por se tratar de receita transitória, e não faturamento ou receita bruta.
O enunciado proposto por Barroso, que prevaleceu, foi: “Os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei 9.363/1996, não integram a base de cálculo da contribuição para o PIS e da Cofins, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei 9718/1998), pois não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento”.
Ficou vencida a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin, que seguiu o relator no mérito, mas considerou que a não incidência de PIS/Cofins sobre o crédito presumido de IPI tem relação não com o conceito de faturamento, mas com o fato de ser receita decorrente de exportações. A exclusão do crédito presumido de IPI da base do PIS e da Cofins favorece as empresas que produzem e exportam mercadorias nacionais, que têm direito ao crédito, previsto no artigo 1° da Lei 9363/1996.
O tema era debatido no RE 593544 (Tema 504), que, no mérito, teve placar de 10X0. Com o julgamento em repercussão geral, o entendimento é de aplicação obrigatória pelos demais tribunais do país e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
PIS e Cofins não incidem sobre descontos de dívidas obtidos em acordos judiciais
Data: 20/12/2023
O PIS e a Cofins incidem sobre receita, não sobre lucro. Qualquer desconto obtido pelo contribuinte em suas despesas não pode ser considerado receita financeira, pois representa aquilo que ele deixou de gastar — ou seja, um abatimento no custo de sua atividade.
Assim, a 6ª Vara Federal de Campinas (SP) afastou a incidência de PIS e Cofins sobre descontos obtidos por uma metalúrgica em acordos relativos a dívidas com instituições financeiras.
O juiz Haroldo Nader também autorizou a empresa a compensar os créditos referentes a tais tributos pagos de forma indevida nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Por meio dos acordos judiciais, a autora conseguiu perdão parcial de sua dívida com instituições financeiras. Mas a Receita Federal cobrou PIS e Cofins sobre os descontos, por entender que eles significavam uma receita operacional.
Segundo a empresa, embora a análise contábil indique um resultado positivo, os descontos não geraram receita, pois não representaram ingresso de novos valores originados de alguma atividade.
Nader concordou e lembrou que o Supremo Tribunal Federal já confirmou a diferença entre os conceitos contábil e constitucional de receita (RE 606.107). As próprias Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 estabelecem a incidência do PIS e da Cofins sobre o total das receitas, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”.
De acordo com tributarista Eduardo Galvão, do GBA Advogados Associados, que representou a metalúrgica, “trata-se de mais um importante movimento do Poder Judiciário para encerrar a desvirtuação existente quanto ao conceito contábil e constitucional de receita”.
Casa da Moeda tem imunidade tributária em serviços prestados com exclusividade
Data: 22/12/2023
O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, decidiu pela imunidade tributária recíproca da Casa da Moeda do Brasil (CMB) quanto aos serviços prestados em regime de exclusividade, como a fabricação de papel moeda e moeda metálica e impressão de selos postais. A decisão se deu em uma ação cível originária de autoria da própria Casa da Moeda. O relator também determinou a restituição dos valores pagos indevidamente durante os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
A Casa da Moeda é uma empresa pública federal responsável por serviços públicos diversos, de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, executando parte das suas atividades em regime de monopólio.
Na ação, a CMB pediu a imunidade tributária recíproca quanto aos serviços prestados em regime de exclusividade e a devolução dos valores pagos indevidamente ao estado do Rio de Janeiro, que cobrou imposto sobre importação de maquinário para impressão de cédulas.
A autora da ação alegou que a isenção não é limitada aos impostos de competência do Rio de Janeiro, mas abrange impostos federais, estaduais, municipais e distritais, não havendo tratamento diferenciado para os entes federados.
Na decisão, o ministro Nunes Marques destacou a competência do STF para dirimir controvérsias entre União, estados e Distrito Federal, inclusive suas entidades da administração indireta, desde que os conflitos apresentem potencial risco de lesar o pacto federativo.
A sentença apresenta jurisprudência da corte no sentido da imunidade tributária dos serviços prestados pela Casa da Moeda em nome da União. Para o magistrado, cabe ao Fisco do estado comprovar que o maquinário não é utilizado em atividades em regime de monopólio, o que não consta no processo.
- ESTADUAlS
TJSP impõe à Fazenda revisão de classificação fiscal de contribuinte
Data: 21/12/2023
Uma empresa que tinha sido mal avaliada como contribuinte pelo governo do Estado de São Paulo, no Programa de Estímulo à Conformidade Tributária “Nos Conformes”, conseguiu uma decisão considerada inédita no Tribunal de Justiça paulista (TJSP) para revisar a sua nota. A 8ª Câmara de Direito Público foi unânime ao entender que, ao fazer a classificação, a Secretaria da Fazenda Estadual aplicou critérios não previstos na legislação.
Com uma classificação mais benéfica, na prática, a empresa pode pedir a apropriação de créditos acumulados de ICMS de forma simplificada para abater de débitos do imposto.
A ação foi proposta por uma companhia do setor do agronegócio que, até então, era classificada com A+. Foi rebaixada para a nota D por um atraso de sete dias de uma única Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA).
Esse sistema de notas faz parte do programa “Nos Conformes”, criado pela Lei Complementar nº 1.320, em 2018, para tentar reduzir o número de processos tributários administrativos e judiciais. Os contribuintes são classificados como A+, A, B, C, D, E e NC (aquele que não foi classificado), de acordo com os riscos que oferecem aos cofres públicos.
Quanto mais próximos do A+ terão vantagens como acesso facilitado à renovação de regimes especiais de tributação e o aproveitamento de créditos acumulados simplificado.
Já os enquadrados como D ou E podem ficar obrigados, por exemplo, a fornecer informações periódicas sobre as operações que realiza ou depender de autorização para emitir e escriturar documentos fiscais.
De acordo com o advogado que assessora a companhia, João André Buttini de Moraes, do ButtiniMoraes Advogados, o critério adotado para fazer o rebaixamento da empresa – que seria o descumprimento de obrigações acessórias -, está presente só no Decreto estadual nº 64.453, de 2019 (artigo 2º, parágrafo 6º), que extrapola o que diz a Lei Complementar 1320.
Ao analisar o caso, a 8ª Câmara manteve sentença a favor da empresa. Nessa sentença, o juiz já havia afirmado que o rebaixamento para a categoria D “parece ofender os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.” Apontou que a lei apenas diz que será classificado na categoria A+ o contribuinte com 98% de aderência (relação entre registro e emissão de notas) e D, quem tiver menos de 90% de aderência.
“Decisão demonstra o compromisso do TJSP com o princípio da legalidade” — André A. Santos
“Ao considerar o descumprimento da obrigação acessória sem considerar o percentual de aderência (90% ou 98%), o Decreto é contrário à lei”, disse o desembargador Leonel Costa na decisão do TJSP.
Assim, ele suspendeu os efeitos da classificação D, no mês fevereiro de 2023, e determinou que a Fazenda faça a revisão do decidido para observar, exclusivamente, o critério legal no quesito aderência, conforme artigo 8º, parágrafos 1º a 3º da Lei Complementar 1.320 (Processo nº 1040872-75.2023.8.26.0053).
De acordo com Buttini, há outras empresas com notas rebaixadas por critérios do decreto, não previstos em lei. “Esse acórdão foi o primeiro que conseguimos, mas temos outras ações em andamento com sentenças e liminares favoráveis”.
Uma dessas empresas que obteve liminar também foi rebaixada à nota D por atraso maior do que sete dias no recolhimento da GIA. Assessorada por André Buttini, alegou que o atraso diz respeito a uma unidade que não possui atividade, o que não causou prejuízo ao Fisco.
Ao analisar o caso, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, destacou: “Tal estabelecimento não apresentou movimentação no período, não havendo motivo para a classificação negativa D, sob pena de ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade”.
Assim, a magistrada deferiu a liminar e determinou que a Fazenda reclassifique a empresa com nota A+ no Programa Nos Conformes e “se abstenha de criar obstáculos aos pedidos de apropriação de crédito acumulado de ICMS pela Sistemática Simplificada estabelecida pela Portaria SRE 65/2023 até o trânsito em julgado do presente” (Processo nº 1073689-95.2023.8.26.0053).
De acordo com Buttini, essas decisões têm sido importantes ao mostrar que o Judiciário vai fazer esse controle de legalidade dos critérios aplicados. Além da apropriação simplificada de créditos, outras vantagens podem ser oferecidas às empresas que andarem na linha com a fiscalização e tiverem nota A+. Esses benefícios, como a homologação mais célere do ICMS e a monetização do crédito homologado para terceiros, estão previstos no artigo 16 da Lei Complementar, contudo, ainda dependem de regulamentação.
De acordo com o advogado André Henrique Azeredo Santos, do FAS Advogados, o TJSP demonstra o compromisso da Corte com o princípio da legalidade. Ele afirma que essa decisão é a primeira que se tem notícias sobre o tema, mas o tribunal paulista já tem um histórico de respeitar o princípio da legalidade em conflitos entre decretos e leis. Para ele, ainda que caiba recurso aos tribunais superiores, a tendência é que os tribunais não apreciem, uma vez que a discussão aborda leis locais.
“Interessante notar que o tribunal não se intrometeu no trabalho do Fisco de classificar o contribuinte”, afirma o advogado Carlos Eduardo Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella. “Acertadamente, o que faz a decisão é mandar o Fisco reclassificar o contribuinte levando em consideração a lei e não o decreto, já que o decreto extrapola a lei”.
Navarro afirma que já viu empresas insatisfeitas com a classificação, mas por outros critérios. “Quando alguém simplesmente está insatisfeito, não recomendo ir ao Judiciário, que não irá refazer o trabalho do Fisco”, afirma. Para ele, só vale a pena recorrer à Justiça se for em uma questão como esta, para o Fisco reavaliar observando ou deixando de observar certos requisitos e critérios.
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Procuradoria Geral do Estado informou por nota que “o entendimento do Estado consta já dos autos, não havendo nada de específico ou de mais relevante a acrescentar”.
Por meio de nota, a Sefaz-SP disse que “segue estritamente o disposto na legislação referente ao Programa Nos Conformes, que permanece vigente e eficaz”.