Empresas contestam multa de 50% por compensação indevida

Grandes companhias do país estão sendo surpreendidas com autuações fiscais da Receita Federal para cobrar multa isolada de 50% sobre valor de tributo não pago, aplicada por compensação de créditos indeferida, antes de encerrado o processo de defesa administrativo. Advogados tributaristas que representam essas empresas reclamam do desrespeito ao devido processo legal e da cobrança da multa isolada junto com a multa de mora de 20%.

“Do fim de outubro para cá, só comigo tenho 20 autuações para defender de 8 clientes diferentes”, afirma a advogada tributarista Christiane Alvarenga, do TozziniFreire. “Parece um esforço para lavrar essas multas isoladas logo, o que pode ser para o cumprimento de uma meta.”

Segundo especialistas, primeiro, os contribuintes recebem uma carta de cobrança do tributo devido, além de multa de mora de 20%. Há um prazo de 30 dias para manifestação de inconformidade com a cobrança e explicar os próprios cálculos a uma turma julgadora.

Contudo, antes de encerrado este prazo, autos de infração são lançados para arrecadar o mesmo tributo referido na carta de cobrança, somado da multa isolada de 50%. Após a autuação fiscal, a empresa tem 30 dias para a defesa perante a Delegacia Regional de Julgamento.

A multa isolada de 50% está prevista no artigo 74 da Lei nº 9.430, de 1996. Pelo dispositivo, será aplicada sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada (parágrafo 17). No caso de apresentação de manifestação de inconformidade contra indeferimento, porém, fica suspensa a exigibilidade da penalidade (parágrafo 18).

Com base no artigo 74 da Lei 9.430, segundo Christiane, um dos seus clientes, do segmento de gás, foi autuado para pagar R$ 25 milhões de multa isolada, mesmo após ter vencido o processo administrativo que discutiu a compensação. “Os outros casos ainda estão em discussão na esfera administrativa”, diz.

Há mais ou menos 80 casos dessa espécie, no escritório Mattos Filho Advogados, relativos a empresas do varejo, bancos e indústrias. “Mesmo que o contribuinte tenha apresentado manifestação de inconformidade, vem a cobrança da multa de 50%. Assim, temos que fazer duas defesas ao mesmo tempo”, afirma Ana Paula Lui, tributarista e sócia da banca.

Ana Paula lembra, contudo, que o Supremo Tribunal Federal (STF) está para julgar, no próximo dia 10, por videoconferência, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4905) sobre a cobrança da multa de 50%. “Uma vez julgado inconstitucional o dispositivo, todas essas cobranças tendem a ser canceladas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais [Carf]”, diz.

Segundo tributaristas, o contribuinte que já tiver pago a penalidade poderá ainda tentar obter o ressarcimento. Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o impacto da discussão para os cofres da União é estimado em R$ 32 bilhões.

O STF já começou a analisar a questão por meio de um recurso extraordinário, julgado com repercussão geral. De acordo com voto do ministro Edson Fachin no caso, a não homologação não pode ser tida como ato ilícito. A ação seria julgada pelo Plenário Virtual, mas passou para o julgamento por videoconferência – como se fosse presencial -, após pedido de destaque do presidente da Corte, o ministro Luiz Fux em maio deste ano (RE 796939).

Por meio de nota, a Receita Federal afirma que o contribuinte que já tenha apresentado a manifestação de inconformidade contra a não homologação das declarações de compensação não precisa impugnar as multas isoladas. “Caso o contribuinte tenha manifestação de inconformidade, a multa isolada ficará com sua exigibilidade suspensa, aguardando o resultado do contencioso”, diz a nota.

Para a advogada Thaís Françoso, do FF Advogados, a resposta da Receita Federal contraria o descrito nos autos de infração lançados e a sistemática de cobrança “que vem sendo usada para coagir os contribuintes ao pagamento”. Ela explica que na pesquisa sobre a situação fiscal das empresas passam a constar esses lançamentos. “Além disso, não existe a informação expressa de que a cobrança estará suspensa”, afirma.

Quando o contribuinte discute um tributo em juízo, a Fazenda pode lançar auto de infração para evitar a perda do prazo ao qual tem o direito para cobrar um tributo (decadência). “Quando isso acontece, se o contribuinte apresenta defesa, ela não é analisada. Mas fica expresso no lançamento do auto de infração que a medida tem fins decadenciais, o que não tem acontecido”, diz Thaís.

Autora da ADI, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende que o direito de petição, por ser constitucional, gera dever também constitucional do Poder Público de analisar. “Quando a Fazenda não aceita a compensação, os tributos que seriam quitados com os créditos ficam em aberto”, afirma o superintendente jurídico da CNI, Cassio Borges. “Esses casos das empresas só exemplificam a importância do julgamento da nossa ADI.”

Segundo Borges, no processo, a CNI argumenta que a multa isolada de 50% tem caráter inibidor e confiscatório. “A multa é totalmente desproporcional e a Receita Federal não pode afastar o direito da empresa de se defender”, diz. “Se espera que o Plenário valide esses fundamentos.”

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