Discussão sobre crédito de PIS e Cofins pode virar nova ‘tese do século’
A exclusão do ICMS do cálculo dos créditos de PIS e Cofins poderá virar uma “nova tese do século”. A questão começa a ganhar corpo no Judiciário e a expectativa de advogados tributaristas é a de que passe a ter a mesma importância dada à retirada do imposto estadual da base das contribuições sociais, chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O governo adotou essa medida, válida desde o início de maio, para tentar reduzir a conta de bilhões de reais gerada com o julgamento pelos ministros da então chamada “tese do século”. A exclusão do ICMS dos créditos está prevista agora em lei, de nº 14.592, publicada ontem no Diário Oficial. A norma trata também do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) – que ainda beneficia o setor de turismo.
Quando estabeleceu a mudança por meio da Medida Provisória (MP) nº 1.159, agora convertida em lei, o Ministério da Fazenda anunciou estimativa de arrecadação adicional, para este ano, de R$ 31,8 bilhões. Para 2024, R$ 57,9 bilhões.
“É praticamente a tese do século novamente”, afirma Pedro Siqueira, sócio do Bichara Advogados. A tese, explica o advogado, leva em consideração que a base de cálculo dos créditos é diferente da utilizada para a apuração do PIS e Cofins. “O que justifica o ICMS integrar a base de cálculo na primeira situação, mas não na segunda.”
A apuração de créditos para a não cumulatividade do PIS e da Cofins, afirma Siqueira, se dá na comparação “base contra base” – chamado método subtrativo indireto. Isso significa, segundo ele, que não importa os valores dos tributos pagos na etapa anterior.
“Se a empresa compra de outra que paga 4,65% de PIS e Cofins, ela toma crédito de 9,25%. Não importa o imposto pago ou não por quem vendeu”, diz o advogado, acrescentando que o ICMS compõe o custo – e gera créditos – porque está dentro do preço.
Em 2021, a Receita Federal já tinha tentado excluir o ICMS da base de créditos do PIS e da Cofins, após o julgamento do Supremo. Na época, a medida foi barrada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
No Parecer nº 14.483, de 2021, a PGFN afirmou que não seria possível o recálculo dos créditos apenas com base na decisão do STF sobre a “tese do século”, já que o assunto não teria sido discutido pelos ministros. Porém, destacou que a medida poderia ser adotada por meio de previsão legal.
De acordo com Adriano Rodrigues de Moura, sócio do escritório Mattos Filho, a indicação da PGFN no parecer é de uma revisão do “arcabouço legislativo”, porque seria necessário alterar normas do ICMS também. “A legislação do ICMS afirma que o valor do bem ou da mercadoria contém o imposto estadual. E a legislação de PIS e Cofins diz que se deve calcular o crédito de PIS e Cofins sobre o valor do bem.”
Em dimensão, diz o advogado, a tese “é razoavelmente parecida com a da discussão clássica do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins”. Por enquanto, há apenas liminares em ações ajuizadas por contribuintes (processo nº 5001361-70.2023.4.03.6133 e nº 5005005-17.2023.4.02.0000).
As discussões judiciais podem, segundo tributaristas, frustrar os planos do governo federal. “A exposição de motivos [da MP] tem a ideia de recomposição de caixa. Entende-se que a restrição de creditamento traria caixa positivo para a União”, afirma Leandro Bettini, sócio do MJ Alves Burle e Viana Advogados. Para o advogado, o assunto pode gerar um contencioso expressivo como o da “tese do século”.
Nas ações, além da forma de cálculo, os contribuintes podem questionar a falta de aplicação da anterioridade de 90 dias para o início da vigência da medida. Como a própria Fazenda cita a anterioridade na exposição de motivos da MP 1.159, de 2023, tributaristas acreditam que a Receita Federal poderá alegar que não há agora, com a lei, surpresa na cobrança – em decorrência da própria MP.
Com a Lei nº 14.592, há continuidade na exclusão do ICMS dos créditos de PIS e Cofins, segundo Maria Andréia dos Santos, sócia de contencioso tributário do Machado Associados, o que pode dificultar a aceitação do argumento de que a nova regra deveria observar também a anterioridade nonagesimal. Sem a sanção, haveria vácuo legislativo e o pedido seria mais facilmente aceito, de acordo com a advogada.
Luis Augusto Gomes, do escritório Silva Gomes Advogados, defende a noventena, mas projeta que o governo vai tentar “aproveitar” o prazo da MP 1.159. Gomes diz que o tema deverá ser objeto de judicialização principalmente por empresas comerciais e varejistas. “Elas não recuperam o ICMS e esse ICMS é custo de aquisição que compõe o preço do produto adquirido para revenda.”
A exposição de motivos também indica que, se persistir a inclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos de PIS e Cofins, pode-se gerar acúmulo de créditos por parte dos contribuintes, causando esvaziamento na arrecadação das contribuições destinadas à Seguridade Social. “A atividade econômica será subsidiada pela União com valores retirados da Seguridade Social”, diz o Ministério da Fazenda.
Após MP ‘caducar’, empresas podem ir à Justiça para garantir julgamentos no Carf
A volta do desempate pró-contribuinte, acarretada pelo fim do prazo para análise pelo Congresso da MP 1.160/2023, deve fazer com que contribuintes recorram ao Judiciário para incluir processos em pauta no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O movimento, segundo advogados, deve ser percebido a partir desta quinta-feira (1/6), data em que “caduca” a medida provisória que restabeleceu o voto de qualidade como único critério de desempate no tribunal administrativo.
O retorno do desempate pró-contribuinte, estabelecido pela Lei 13.988/2020 e vigente até o início de 2023, ocorrerá em meio à suspensão das sessões do Carf devido à mobilização dos auditores fiscais pela regulamentação do bônus de eficiência. Na avaliação de tributaristas, a saída seria recorrer à Justiça para garantir os julgamentos pela nova regra.
A opção pela via judicial tem relação com a “janela de oportunidade” aberta pela perda de vigência da MP. O cálculo feito pelos contribuintes é que não se sabe qual será a configuração final do Projeto de Lei (PL) 2384/2023, que tem teor semelhante ao da MP e que foi enviado pelo governo após acordo com o Congresso. A proposta tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência, ou seja, tem prazo de 45 dias para ser apreciada. Como o PL foi enviado no dia 5 de maio, passa a “trancar” a pauta a partir do dia 21/6.
Caso se confirme, o movimento para pedir a inclusão dos processos na pauta do Carf será oposto ao que vinham fazendo os contribuintes até o momento. Por pressão das empresas, o Ministério da Fazenda editou em abril a Portaria 139/2023, prevendo o aceite automático de pedidos de retirada de pauta durante a vigência da MP 1.160. Os julgamentos em abril e maio, após a vigência da portaria, tiveram a pauta esvaziada devido à retirada em massa de processos.
“Eu sei de contribuintes que pretendem ir a juízo para ter o julgamento do caso na regra antiga, isso se a greve [dos auditores fiscais] permanecer,” afirmou ao JOTA um tributarista de um grande escritório de advocacia. Segundo ele, o fundamento jurídico para pedir a análise dos processos em meio à paralisação dos auditores seria o artigo 24 da Lei 11.457/2007, que prevê que a decisão administrativa deve ocorrer no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.
“A lógica é ingressar em juízo pedindo o julgamento, tendo em vista que já se passaram mais de 360 dias, e nem se falaria nada sobre a regra [de desempate] aplicável, pois, evidentemente, seria a regra vigente no momento do julgamento”, comentou.
O advogado Augusto Paludo, sócio da Covac Sociedade de Advogados, também vê o momento da perda de vigência da MP como “estratégico”. “A MP ‘caducando’, acredito que os contribuintes, que estavam brigando para que os processos não fossem pautados, vão aproveitar esse momento para colocar em pauta. Existem argumentos, pela demora no julgamento dos processos”, afirma. Paludo ressalta que, mesmo com a paralisação dos auditores fiscais, o Carf vem julgando alguns casos justamente por força de decisões judiciais. “Acho que esse é o cenário, de possíveis ações judiciais, todo mundo de olho para acelerar a inclusão em pauta, de forma a se proteger do que o Congresso pode aprontar”, aposta.
Segundo a advogada Anete Mair Maciel Medeiros, do Gaia Silva Gaede Advogados, há precedentes judiciais favoráveis aos contribuintes com a argumentação da razoável duração do processo administrativo. Nesses casos, diz, o instrumento utilizado é o mandado de segurança.
Para a advogada Maria Danielle Rezende de Toledo, sócia do Lira Advogados, a tentativa de acelerar o julgamento dos processos aproveitando o retorno do desempate pró-contribuinte é “viável”, principalmente no caso de contribuintes que têm processos no Carf envolvendo teses que tradicionalmente resultam em empate, como amortização de ágio interno.
“Pelo menos nos setores em que tenho maior autuação, que são automotivo e indústria química, ainda não vimos manifestações [de contribuintes] nesse sentido. No entanto, as grandes discussões nesses setores estão em classificação fiscal, um tema que não costuma ser decidido pelo voto de qualidade”, comenta.
Apesar do regime de urgência do PL 2.384, apuração do JOTA mostrou que cresceram as chances de o projeto de lei do voto de qualidade ser engavetado este ano. Além da resistência natural ao tema entre os parlamentares, o risco está relacionado às dificuldades de articulação política do governo e ao foco do Congresso em temas mais prementes, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal. Por isso, o governo já trabalharia com um cenário de retomada das discussões sobre o assunto no ano que vem.
Decreto legislativo
Com a perda de vigência iminente da MP 1.160, a Constituição Federal prevê a possibilidade de edição de um decreto legislativo regulamentando os efeitos da medida provisória enquanto teve eficácia. Para tributaristas, a edição do decreto seria importante para trazer maior segurança jurídica aos contribuintes. No entanto, eles reconhecem que é raro o Congresso Nacional utilizar a prerrogativa, prevista no artigo 62 da Constituição.
A previsão constitucional é que o decreto legislativo seja editado em até 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia da MP. Caso não seja publicado, conforme o parágrafo 11, artigo 62 da Constituição, “as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.
Segundo a advogada Maria Danielle Rezende de Toledo, um eventual decreto legislativo regulando os efeitos da MP 1.160 poderia versar sobre a aplicação ou não do voto de qualidade aos casos julgados no Carf durante sua vigência.
Porém, a advogada acha improvável que o Congresso faça uma modificação retroativa no critério de desempate. Ela considera “mais sensível” a discussão sobre o limite para que os contribuintes possam protocolar recursos no Carf, elevado de 60 para mil salários mínimos pela MP 1.160. “Me parece mais sensível essa situação dos valores [para recorrer ao Carf]. Os recursos que não foram admitidos durante a vigência da MP poderão ser admitidos agora?”, questiona.
Movimento dos auditores
Além dos contribuintes, o critério de desempate no Carf é uma questão sensível para os auditores fiscais. Embora o tema não esteja oficialmente na pauta de reivindicações da categoria, um dirigente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) admitiu que o retorno do desempate pró-contribuinte desagrada o grupo.
Questionado se a volta do critério mais favorável às empresas teria alguma influência no movimento, o representante do Sindifisco afirmou que os auditores pretendem atuar no Congresso pela aprovação do PL 2.834, que restabelece o voto de qualidade.
Ele ainda admitiu que conselheiros fazendários do Carf falam em entregar o mandato caso o governo seja derrotado nesta pauta, mas o fenômeno seria “pontual”. “As reivindicações de natureza mais corporativa da categoria, muitas vezes, se aproximam de pautas que têm a ver com a própria preservação institucional da Receita. Esses conselheiros do Carf ameaçando renunciar ao mandato, não se tornou um movimento coletivo, mas é o retrato de uma indignação diante da impossibilidade de fazer com que as decisões [do Carf] valham”, declarou.
O dirigente afirmou ainda que a intenção da categoria é continuar mobilizada até a regulamentação do bônus de eficiência. Segundo o Sindifisco, em reunião na semana passada, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos condicionou a regulamentação do bônus à aprovação do arcabouço fiscal, que ainda precisa ser votado pelo Senado Federal.
Receitas financeiras: Toffoli empata julgamento bilionário no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta sexta-feira (2) o julgamento da incidência de PIS e Cofins sobre receitas financeiras (juros, por exemplo) de instituições financeiras. Por enquanto, há dois votos, um pela tributação e um contrário.
O impacto é estimado em R$ 115 bilhões pela União e em R$ 12 bilhões pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Essa é uma das cinco causas tributárias de maior valor que a União indica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023. Há, contudo, uma divergência relevante com a conta feita pelos bancos. A Febraban considera os valores apontados pelas maiores instituições nas demonstrações financeiras.
De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) os três maiores casos que tratam do assunto teriam, somados, valores de causa que chegam a R$ 2,6 bilhões. A Procuradoria localizou pelo menos 208 ações ajuizadas sobre essa disputa que aguardam a decisão do STF.
Os ministros têm até o dia 12 de junho para concluírem o julgamento no plenário virtual. Mas pode ser suspenso por novos pedidos de vista ou destacado ao plenário físico (RE 609096).
No julgamento, o STF fixará uma tese, em repercussão geral, para definir se todas as instituições financeiras deveriam ter recolhido o PIS e a Cofins sobre todas as receitas no período entre o ano 2000 até 2014. Fará isso a partir da análise de três recursos — um deles envolve o Santander (RE 609096).
A disputa sobre a tributação de receitas financeiras durou entre 2000 e 2014, ano em que foi publicada a Lei nº 12.973. A norma passou a prever a tributação pelo PIS e Cofins sobre todas as receitas da atividade empresarial e, a partir daquele ano, as instituições passaram a recolher os tributos também sobre as receitas financeiras.
As empresas também contestam a Lei nº 9.718, de 1998, que teria alargado a base de cálculo das contribuições sem que houvesse autorização da Constituição. Advogados afirmam que o sinal verde para a ampliação veio apenas com a Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Ainda assim, o governo não editou uma lei ordinária para operacionalizar a medida. Isso teria ocorrido, apenas, em 2014.
Voto do relator
Quando o julgamento foi iniciado, em 2022, o relator dos processos, ministro Ricardo Lewandowski, deu razão à tese das instituições financeiras de que
têm direito a recolher as contribuições sobre uma base menor do que a pretendida pela União, até a Emenda Constitucional 20, de 1998.
Voto do ministro Toffoli
O julgamento foi retomado hoje com o voto vista do ministro Dias Toffoli. Nele, o ministro afirma que é comum se encontrarem alegações de que as instituições financeiras estão sujeitas à alíquota diferenciada de CSLL portanto seria inconstitucional se aplicar o conceito de faturamento utilizado para a cobrança do PIS e da Cofins, que também possuem alíquotas diferenciadas, em razão de todas essas tributações resultarem para elas em carga tributária elevada. Mas, para Toffoli, não existem razões para acolher argumentações desse tipo.
“O Supremo Tribunal Federal, ao assentar a constitucionalidade de tais alíquotas diferenciadas, tem realçado não só as disposições constitucionais que permitem a tal diferenciação, mas também a pujante capacidade contributiva desses contribuintes”, afirma.
Ainda segundo Toffoli, a noção de faturamento contida na Constituição, no contexto das instituições financeiras, sempre refletiu a receita bruta explicitada como receita operacional. No voto, indica que isso também se reflete na receita bruta vinculada às atividades empresariais típicas das instituições financeiras, possibilitando, assim, a cobrança de PIS e Cofins sobre a receita bruta operacional decorrente das suas atividades típicas.
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