STF voltará a discutir ‘quebra’ de decisões judiciais definitivas
Os contribuintes não se deram por vencidos na discussão sobre a “quebra” de sentenças definitivas. Três recursos foram protocolados contra a decisão tomada em fevereiro pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Há pedido, principalmente, para que voltem atrás e impeçam cobranças retroativas de tributos.
Essa reação abre uma nova rodada de discussões sobre o tema na Corte. Advogados vão voltar a percorrer os gabinetes e tentar sensibilizar os ministros para a situação provocada por esse julgamento. Fala-se em um rombo de bilhões de reais no caixa de empresas brasileiras.
Ficou definido pelos ministros, em fevereiro, que sentenças tributárias dadas como definitivas deixam de ter efeito sempre que houver um julgamento posterior na Corte em sentido contrário (RE 955227 e RE 949297).
Significa que o contribuinte que discutiu a cobrança de um tributo e teve a ação encerrada a seu favor – autorizando a deixar de pagar – – perde esse direito se tempos depois o STF julgar o tema e decidir que a cobrança é devida.
A sentença definitiva, portanto, deixa de ter efeito e o contribuinte passa, dali em diante, a ter que pagar o tributo.
Antes a “quebra” não ocorria de forma automática. O Fisco podia pleitear a reversão de decisões favoráveis aos contribuintes, mas por meio de um instrumento específico, a chamada ação rescisória – que tem prazo de até dois anos para ser utilizada e pode ou não ser aceita pelo Judiciário.
Mas o problema maior, dizem advogados, foi o fato de os ministros terem dado passe livre para a Receita Federal cobrar valores que deixaram de ser recolhidos pelos contribuintes no passado.
É que se o tema já foi decidido pela Corte, a sentença do contribuinte perdeu validade no dia em que o julgamento daquele tema ocorreu.
O caso que está em discussão no STF, por exemplo, trata sobre a cobrança de CSLL, que foi declarada constitucional no ano de 2007. Vale, portanto, o ano de 2007 e não o julgamento de agora, realizado em 2023.
Tem contribuintes que vinham sendo cobrados pela Receita Federal desde lá e optaram por discutir, na esfera administrativa ou no Judiciário, por entender que estavam amparados por suas sentenças definitivas. As cobranças desde lá de trás, nesses casos, serão agora validadas.
Para quem nunca foi cobrado – desde que obteve a sentença até os dias de hoje -, a cobrança pode retroagir até, no máximo, cinco anos. Ou seja, o Fisco pode exigir os valores que não foram pagos de 2018 para cá, acrescidos de multa e juros.
Resumindo: da noite para o dia pode ter surgido uma dívida tributária enorme que não estava prevista em balanço, nem provisionada.
É em torno dessa situação que o tema será, agora, guiado. A discussão – ainda sem data para ir a julgamento – ocorrerá por meio de embargos de declaração. Os três recursos foram apresentados ontem, no último dia do prazo.
Tem como autores a empresa TBM – Têxtil Bezerra de Menezes, parte em um dos processos, e duas entidades que atuam no caso como amicus curiae (partes interessadas), a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“Procuramos, nos embargos de declaração, endereçar alguns temas que eventualmente possam merecer nova manifestação do STF”, diz o advogado Luiz Gustavo Bichara, procurador especial tributário do Conselho Federal da OAB.
Ele cita a chamada “modulação de efeitos”, para impedir cobranças retroativas, e – caso o pedido não seja aceito – uma solicitação alternativa: que o Fisco seja proibido de cobrar multa e juros dos contribuintes que tinham decisões definitivas os autorizando a não pagar o tributo e, por confiarem nessas decisões, deixaram de recolher valores passados.
Bichara chama a atenção ainda que a decisão do Supremo “acabou deixando os contribuintes numa situação pior do que a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pretendia”.
Ele diz isso por conta de um parecer publicado pelo órgão em 2012 – nº 492 – afirmando que somente dali em diante passaria a cobrar os tributos de forma automática às decisões do STF. “A própria PGFN dizia que a retroação seria 2012, enquanto a decisão do STF vai a 2007”, frisa.
A Fiesp trata de questões semelhantes em sua petição e pede aos ministros que suspendam a decisão de fevereiro até que os recursos sejam julgados e o tema concluído na Corte. Essa solicitação, se atendida, impediria o Fisco de já exigir tributos de anos passados, o que preservaria o caixa das empresas.
“A orientação firmada por essa Corte, com efeitos retro operantes, tem criado ‘passivos’ de tributos os mais variados, afetando o equilíbrio financeiro de contratos de aquisição societária celebrados no passado e ensejando o desfazimento de negociações em curso para aquisição de companhias, prejudicando o ambiente de negócios e desestimulando investimentos”, diz a Fiesp em seu pedido.
A advogada Ariane Guimarães, do escritório Mattos Filho, que propôs o recurso apresentado pela TBM, afirma que o ponto central é a modulação de efeitos -levantada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e negada, em fevereiro, pelos ministros do STF.
Ela cita que antes de o Supremo permitir a “quebra”, havia jurisprudência contrária do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem a modulação, portanto, ela reforça, haveria um efeito “desastroso” de desconsideração absoluta do julgamento do STJ sobre as sentenças definitivas – que, no jargão jurídico, são chamadas de coisa julgada.
A 1ª Seção do STJ havia definido, em 2011, pela impossibilidade de decisões do STF afetarem “coisa julgada” formada em sentido contrário à sua orientação. Para os ministros daquela Corte, só por meio de ação rescisória seria possível pleitear a aplicação do novo entendimento.
Priscila Faricelli, sócia do Demarest Advogados, complementa que o acórdão publicado pelo STF, com a íntegra da decisão – em 468 páginas – fala em “irretroatividade” e também por esse motivo não poderia haver cobrança de tributo antes do julgamento de fevereiro de 2023.
A União tem direito, por lei, ao dobro do prazo dos contribuintes para apresentar recursos e, se quiser, ainda pode protocolar nesse caso.
União vence no STJ disputa tributária de R$ 2,4 bilhões
A União venceu, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais uma valiosa discussão tributária – avaliada em R$ 2,4 bilhões. Envolve empresas que recolhem Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL pelo regime do lucro presumido. Os ministros decidiram pela inclusão do ICMS na base de cálculo desses tributos federais.
Trata-se de uma “tese filhote” da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins – a chamada “tese do século”, concluída pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2021, que gerou bilhões em créditos fiscais.
Se, nesse caso, os ministros tivessem seguido a mesma linha adotada pelo STF, permitindo a exclusão do ICMS, as alíquotas de IRPJ e CSLL seriam aplicadas sobre uma base menor e, consequentemente, as empresas pagariam menos tributos ao governo federal. Poderiam, além disso, recuperar os valores que foram pagos nos últimos cinco anos.
Com a decisão contrária, no entanto, a situação se inverte: a Receita Federal pode exigir os valores das empresas e também cobrar, com multa e juros, o que deixou de ser pago em anos passados.
O julgamento ocorreu ontem na 1ª Seção e tem efeito vinculante (REsp 1767631 e REsp 772470). A decisão deve ser replicada a todos os processos que estão na primeira e segunda instâncias e também nas duas turmas que julgam as questões tributárias no STJ – 1ª e 2ª.
Estão no regime do lucro presumido – e serão afetadas pela decisão – as empresas com faturamento anual de até R$ 78 milhões. Nessa modalidade, a apuração do IRPJ e da CSLL é feita de forma simplificada.
As companhias aplicam um percentual previsto em lei (que varia conforme os setores) sobre o faturamento bruto e o resultado serve de base para a incidência dos tributos.
A discussão, no STJ, era se os valores correspondentes ao ICMS que constam nas notas fiscais dos produtos e são repassados pelas empresas aos governos estaduais poderiam ser considerados receita bruta e contabilizados para fins de IRPJ e CSLL.
Advogados de contribuintes sustentam que, no julgamento da “tese do século”, o Supremo disse que ICMS pertence a terceiros – os Estados – e não poderia, por esse motivo, ser enquadrado como faturamento ou receita bruta, que serve de base de cálculo para PIS e Cofins.
“Se não é receita própria da empresa, então também não pode ser para fins de IRPJ e CSLL, sob pena de afronta à capacidade contributiva ao tributar o que sequer é receita do contribuinte”, diz Ricardo Elias Chahine, do escritório Bonaccorso, Cavalcante, Oliveira e Ristow Sociedade de Advogados, que representa empresa envolvida em um dos processos analisados no STJ.
A alegação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por outro lado, é a de que o STF não retirou qual
receita bruta. A decisão da “tese do século”, portanto, não poderia ser automaticamente aplicada para outras situações.
Esse julgamento teve início em outubro do ano passado – e os contribuintes largaram na frente. A relatora, ministra Regina Helena Costa, votou para que as empresas do lucro presumido pudessem excluir o ICMS do cálculo do IRPJ e da CSLL.
“Receita não pode ser uma coisa para um tema e ter outro conteúdo para outro tema”, afirmou na ocasião, dando razão aos contribuintes de que o STF já havia decidido o que é receita e excluído o ICMS. “Não podemos criar outro conceito.”
Mas não conseguiu convencer os demais julgadores. O julgamento, ontem, foi retomado com o voto-vista do ministro Gurgel de Faria, que divergiu e foi acompanhado por todos os demais ministros que participaram da votação – Herman Benjamin, Mauro Campbell, Benedito Gonçalves e Assusete Magalhães.
Gurgel afirmou, em seu voto, que o STJ analisa as questões com base na legislação federal e a lei determina, expressamente, que o valor do ICMS integra a receita para fins de tributação de IRPJ e CSLL no regime do lucro presumido.
“A adoção da receita bruta como eixo da tributação do lucro presumido demonstra a intenção do legislador de impedir quaisquer deduções, tais como impostos, custos das mercadorias ou serviços, despesas administrativas ou financeiras, tornando bem mais simplificado o cálculo dos referidos tributos”, disse.
O percentual de presunção – que se aplica sobre a receita bruta para chegar a base de incidência do IRPJ e da CSLL -, acrescentou o ministro, estabelece a margem de lucro da atividade e também acaba por presumir o percentual de despesa dessa mesma atividade. “E o ICMS é uma dessas despesas”, frisou.
Para Gurgel, a exclusão do ICMS, como querem os contribuintes, acabaria permitindo uma combinação do lucro presumido e do lucro real. As empresas que recolhem IRPJ e CSLL pelo lucro real calculam todas as suas receitas e todas as suas despesas para encontrar a base dos tributos e o ICMS pode ser abatido.
Os contribuintes ainda podem apresentar embargos de declaração contra essa decisão. Com esse recurso não se consegue modificar o mérito. É usado para esclarecer dúvidas, omissões e obscuridades.
“Fato é que o IRPJ e a CSLL continuarão sendo exigidos sobre o ICMS pago pelas empresas comerciais e industriais, o que, na nossa visão, desafia o pronunciamento final do STF”, diz Thiago Francisco Ayres da Motta, sócio do escritório Castro Barros Advogados.
Eduardo Suessmann, sócio do Suessmann Advogados, chama atenção, além disso, que essa mesma decisão deve ser replicada pelos ministros às discussões que tratam sobre a inclusão do ISS no cálculo do IRPJ e da CSLL
das empresas do lucro presumido. “Porque já estavam suspendendo os casos que tratavam dessa matéria para aguardar o julgamento do ICMS”, afirma.
A batalha das “teses filhotes” tem sido bastante dura para os contribuintes. Está difícil de emplacar no STJ e também no STF.
Além do julgado de ontem, o STJ havia, anteriormente, decidido contra excluir a Contribuição Patronal sobre a Receita Bruta (CPRB) do cálculo do PIS e da Cofins. O STF, por sua vez, já se posicionou contra as exclusões do ICMS e do ISS da base da CPRB.
TRF-2 garante crédito de PIS/Cofins sobre gastos com a LGPD
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) reconheceu o direito de uma empresa do setor de tecnologia e meios de pagamento por aplicativos ao aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sobre gastos com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essa é a primeira decisão de segunda instância favorável aos contribuintes.
Até então, nove pedidos haviam sido negados nos tribunais regionais federais, segundo balanço do escritório RFtax Advogados e Consultores. Seis deles no TRF-3, dois no TRF-4 e um no TRF-2.
A tese das empresas é a de que esses investimentos seriam insumos essenciais para suas atividades, em razão de a LGPD – Lei nº 13.709, de 2018 – ter instituído uma série de obrigações. A argumentação tem como base decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2018, por meio de recurso repetitivo, a 1ª Seção decidiu que deve ser considerado insumo e, portanto, apto a gerar créditos, tudo que for imprescindível para o desenvolvimento da atividade econômica. A análise deve ser feita caso a caso, por depender de provas (REsp 1221170).
O que os contribuintes no regime não cumulativo buscam são créditos de 9,25% sobre os valores gastos. Em geral, pequenas e médias empresas têm desembolsado entre R$ 50 mil e R$ 800 mil por ano na implantação das exigências da LGPD, segundo estimativa da PwC Brasil. Nas de grande porte, os gastos variam de R$ 1 milhão a R$ 5 milhões.
A decisão no TRF-2 foi obtida pela Zoop Tecnologia e Meios de Pagamento. Em seu voto, a relatora do caso na 4ª Turma Especializada, Carmen Silvia Lima de Arruda, destaca que, por força de imposição legal, a empresa teve que adotar “diversas medidas em relação ao manuseio e guarda de informações de terceiros, incluídos seus clientes, fornecedores e colaboradores”. Trata-se, acrescenta, de “investimento obrigatório, imprescindível ao alcance dos objetivos sociais da impetrante.”
Para ela, “seria medida de segurança necessária à proteção dos dados dos seus clientes e de terceiros, inclusive passível de sanção pelo descumprimento da normatividade imposta”. Por isso, diz em seu voto, “as
despesas com as adequações previstas na LGPD merecem ser reconhecidas como insumos para fins de aproveitamento no sistema da não cumulatividade de PIS e Cofins”.
A decisão do TRF-2 garantiu ainda o direito de o contribuinte reaver valores pagos indevidamente ou a maior nos últimos cinco anos – por restituição ou compensação tributária (apelação cível nº 5112573-86.2021.4.02.5101).
De acordo com Murillo Allevato, sócio do Bichara Advogados, que defende a Zoop, a peculiaridade da atividade da empresa contou para a decisão favorável. A Zoop, afirma, faz a aproximação financeira do estabelecimento comercial com o consumidor final, ao utilizar aplicativos de compra. “Ou seja, é inerente ao negócio essa coleta de dados da pessoa que está fazendo o pagamento. Todas essas transações geram muitas informações. A atividade da empresa é lidar com esses dados. Sem isso não pode praticá-la”, diz.
Para o advogado, empresas do mesmo setor ou de outros que comprovem que grande parte da sua receita vem da coleta de dados – como varejista que obtém toda sua receita de forma on-line – têm chances de obter decisões favoráveis.
Guilherme Manier, sócio do Viseu Advogados, concorda. Para ele, a decisão deve estimular outras empresas do setor de tecnologia e meios de pagamento a recorrer ao Judiciário. “A tendência é que haja agora uma busca do mesmo reconhecimento”, diz.
Ficou claro na decisão, segundo Manier, que essa empresa está em um setor específico e não se consegue desvincular suas atividades dos gastos com LGPD. “É algo imprescindível”, afirma ele, acrescentando que outros setores que dependem de um volume muito grande de informações, como empresas da área de saúde e agências de recursos humanos, também poderiam ser beneficiadas.
Esse precedente favorável pode dar mais força à discussão, segundo Rubens Souza, do escritório WFaria. O advogado atua na defesa da FLC Indústria e Comércio de Plástico e da TNG Modas, que não conseguiram decisões favoráveis no TRF-3 (ações nº 5003440-04.2021.4.03.6000 e nº 5007504-48.2021.4.03.6100). Ele afirma que já foram apresentados recursos aos tribunais superiores.
Souza lembra ainda que a solução pode vir pelo Congresso. Está em tramitação no Senado projeto de lei, de nº 4/2022, para regulamentar esse direito a créditos de PIS e Cofins sobre gastos com a LGPD. Foi proposto pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
Rafael Fabiano, sócio do RFtax Advogados e Consultores, ressalta que, embora existam decisões no Carf e judiciais enquadrando as despesas para implementação de obrigações legais como insumos, a análise sobre gastos com a LGPD estava sendo feita de forma restritiva. “Porém, o TRF-2 acabou adotando um entendimento mais brando, pois toda e qualquer empresa que manuseia dados de terceiros, independentemente de sua atividade, tem o dever de proteger tais dados.”
Por nota, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) destaca que todos os demais processos no TRF-2 sobre gastos com LGPD foram julgados improcedentes. Para o órgão, “não se pode dizer que essa única decisão, proferida apenas para esta empresa específica, signifique a tendência do tribunal ao julgar casos de uma classe ou um grupo de empresas sobre o assunto”.
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