A decisão de algumas prefeituras de exigir a retenção do Imposto Sobre Serviços
(ISS) de empresas que contratam prestadores de serviço de fora da cidade, sem
registro no cadastro local, tem levado a uma nova disputa judicial entre
contribuintes e administrações municipais. Em análise sobre a lei da capital paulista,
o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a norma é inconstitucional, com
repercussão geral. Mas a regra continua a ser aplicada por municípios.
No país, a alíquota do ISS é de até 5%. A decisão do STF foi publicada em maio e o
processo transitou em julgado (não cabe mais recurso) em junho (RE 1167509). Para
o relator do recurso, ministro Marco Aurélio, a pretexto de afastar evasão fiscal, o
município determinou ao contribuinte a imposição tributária de outra
municipalidade.
Marco Aurélio considerou que a Lei Complementar nº 116/2003 prevê que o
imposto é devido pelo prestador de serviços onde está sediado o estabelecimento.
Sendo assim, o Fisco municipal não poderia criar uma obrigação acessória – no caso,
o cadastro que exige a inscrição na cidade. Por fim, entendeu que houve ofensa ao
artigo 152 da Constituição Federal, porque traria um tratamento diferenciado
dependendo da procedência do serviço.
“Só que no município de São Paulo continua valendo a mesma regra. Se contratar
alguém fora do município tem que fazer a retenção, independentemente da decisão
do STF”, diz o advogado Vinícius de Barros, do escritório Teixeira Fortes Advogados.
Amparada na decisão do Supremo, a banca ingressou com um pedido de liminar
para desobrigar uma cliente de reter o imposto de prestadores de serviços de fora
da capital e que não estão inscritos no Cadastro de Empresa de Fora do Município
(CPOM).
Em julho, a 4ª Vara de Fazenda Pública, do Tribunal de Justiça de São Paulo,
concedeu liminar autorizando a tomadora de serviço a não fazer a retenção e o
recolhimento do ISS de prestadores de serviços não inscritos no CPOM (processo nº
1041786-13.2021.8.26.0053).
A prática não é exclusiva da capital paulista. Outros municípios do país também
exigem essa retenção na tentativa de reduzir a guerra fiscal. Neste sentido, algumas
prefeituras criaram um cadastro em que a prestadora de serviço de outra cidade
tem que apresentar uma série de informações – como contrato de locação, fotos e
contas de telefone e luz – para comprovar que o endereço não é só uma fachada
para recolher menos impostos.
“O caso do Supremo envolvia uma demanda de São Paulo, mas deve se aplicar a
outros municípios”, explica o advogado Vitor Rodrigues, do escritório Chenut Oliveira
Santiago Advogados. “Enquanto o município não alterar a legislação, os
contribuintes devem agir da mesma forma que os demais. Isto é, requerer
liminarmente, no Judiciário, o afastamento da obrigatoriedade de retenção e
recolhimento do ISS de prestadores de serviços não inscritos no CPOM”, diz o
advogado Gustavo de Godoy Lefone, do escritório BNZ Advogados.
Com base na decisão do STF, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento
ao recurso da Prefeitura de Mogi das Cruzes (SP), que tentava manter a retenção do
imposto. O relator Silva Russo considerou a decisão do STF e determinou que o auto
de infração que previa penalidade à contratante por não fazer a retenção do
imposto deveria ser declarado nulo (apelação n° 1009876-48.2020.8.26.0361).
Antes mesmo da decisão do Supremo, juízes vinham entendendo que a exigência
do cadastro da retenção não deveria prevalecer. Em abril, a 24ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na análise de um recurso da capital, declarou
inexistir relação jurídico-tributária entre as partes. Condenou o município do Rio à
restituir os valores cobrados indevidamente, com juros e correção monetária a
contar da data da indevida retenção em cada nota fiscal (apelação nº 0087683-
43.2018.8.19.0001).
O advogado Rubens Cuaglio, do escritório CM Advogados, destaca que o prestador
de serviços faz o recolhimento do imposto no município em que está sediado.
Porém, com essa obrigatoriedade de retenção, a cobrança também pode ocorrer na
cidade onde prestou o serviço. “Há uma dupla cobrança, o que leva à dupla
tributação”, enfatiza.
Ainda sem decisões para os clientes, o advogado Thiago Garbelotti, do escritório
Braga & Garbelotti, diz que tem usado dois argumentos no Judiciário. “O primeiro é
que o município não tem competência para cobrar tributos de contribuintes de
outras localidades, nem para obrigações acessórias”, diz. “O outro é que quando faz
a retenção por falta de cadastro está usurpando a competência de outro município
de quem poderia exigir de fato”, acrescenta.
Advogados consideram que, apesar das diversas liminares já proferidas, as
empresas de menor porte, especialmente, acabam não recorrendo para evitar o
custo de um processo judicial. “Municípios apostam nisso [que o contribuinte não
vai recorrer] para arrecadar um pouco mais”, avalia o advogado Igor Mauler,
presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).
Por meio de nota, a Prefeitura de São Paulo disse que analisa a eventual
necessidade de propor aperfeiçoamentos na legislação municipal em questão.
“Decisões em recurso extraordinário em incidentes de repercussão geral proferidas
pelo STF possuem efeito vinculante apenas em relação aos órgãos do Poder
Judiciário, sem obrigar de forma geral e abstrata os demais Poderes. Bem por isso, a
obrigatoriedade ao cadastro permanece em vigor”.Já a Procuradoria do Município do Rio diz avaliar o conteúdo para adotar as medidas cabíveis.
Fonte: Valor