Exclusão do ICMS gerou R$ 358 bi para contribuintes

A chamada “tese do século” pode ter gerado R$ 358 bilhões em créditos fiscais para as empresas, segundo aponta, em estudo inédito, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). A maior parte – R$ 264,6 bilhões – ainda não foi usada. Há estimativa de que R$ 56,05 bilhões sejam utilizados para quitar tributos federais correntes neste ano e que outros R$ 69,66 bilhões sejam empregados em compensações em 2022.

Seriam os dois anos de maior volume de aproveitamento dos créditos. Nos anos de 2023 e 2024 diminuiria para R$ 47,85 bilhões e R$ 44,09 bilhões, respectivamente, e a partir de 2025, então, haveria a compensação do restante, R$ 47,09 bilhões.

Todo esse volume de dinheiro é fruto da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. A discussão se estendeu por mais de duas décadas no Judiciário. Pela grandeza em valores e efeitos sobre o sistema tributário brasileiro – dando origem a inúmeras “teses filhotes” – ganhou o nome, no mercado, de “tese do século”.

Fernando Steimbruch, pesquisador do IBPT e um dos responsáveis pelo estudo, diz que as projeções da quantia e uso dos créditos decorrentes dessa tese foram feitas com base em dados oficiais da Receita Federal e nas ações judiciais sobre esse tema. Até o mês de junho, afirma, havia 255.214 processos em tramitação em todo o país.

Os juízes estão replicando a esses casos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida em maio. Os ministros confirmaram o posicionamento emitido em março de 2017, quando decidiram que o ICMS, por não se caracterizar como receita ou faturamento – a base de incidência do PIS e da Cofins -, deveria ser excluído do cálculo das contribuições.

Essa decisão de 2017 provocou uma redução dos valores a pagar ao governo federal e gerou também um acúmulo de créditos fiscais decorrentes do que as empresas pagaram a mais no passado.

Em maio, quando julgaram os embargos de declaração e concluíram o tema, no entanto, os ministros optaram por aplicar a chamada modulação de efeitos. Eles determinaram que do dia 15 de março de 2017 – a data do julgamento de mérito – para frente, todos os contribuintes poderiam retirar o ICMS do cálculo das contribuições.

Criaram situações diferentes, porém, para a recuperação dos valores pagos a mais ao governo antes de março de 2017. Somente aqueles contribuintes que tinham ações em curso até a data do julgamento de mérito terão direito ao reembolso referente ao período passado.

A União, nesses casos, terá que aceitar as compensações com base nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. Uma empresa que entrou com o processo em 2008, por exemplo, tem que receber de volta o que pagou de forma indevida desde 2003.

Quem entrou com ação depois de março de 2017, porém, fica sujeito à limitação estabelecida pelo STF. Uma empresa que ajuizou processo em 2018, por exemplo, poderá recuperar o que pagou de forma indevida desde 2017 somente. Se não estivesse sujeita à modulação de efeitos – a título de comparação – o reembolso retroagiria até 2013.

O estudo do IBPT mostra que, sem essa sistemática da modulação de efeitos, os ganhos dos contribuintes alcançariam R$ 587 bilhões. Ou seja, a decisão dos ministros, no mês de maio, evitou a perda de R$ 230 bilhões para a União – resultando, portanto, em R$ 358 bilhões.

O Ministério da Economia, durante as discussões no Judiciário, falava em perdas de cerca de R$ 250 bilhões. Mas reconhecia que esse número poderia ser bem maior caso os ministros decidissem pela exclusão do ICMS que consta na nota fiscal e não o efetivamente recolhido pelos contribuintes aos Estados – o que acabou acontecendo no STF.

“De modo geral, ficou bom para os dois lados [com a decisão do STF]. A modulação de efeitos atendeu mais o governo do que o contribuinte, mas foi muito interessante para os contribuintes o entendimento pela exclusão do ICMS que consta na nota fiscal”, avalia Gilberto Luiz do Amaral, presidente do conselho superior e “head” de estudos do IBPT.

As grandes empresas do país respondem por uma fatia considerável dos créditos gerados nessa disputa. Praticamente todas elas tinham ações judiciais antes de 2017 e vão conseguir aproveitar o reembolso mais amplo. Só a Petrobras tem mais de R$ 20 bilhões de créditos acumulados por causa da “tese do século”.

Também chegam a cifras bilionárias – apesar de não tão altas – outras tantas listadas entre as maiores do país. O Magazine Luiza, que entrou com ação judicial em 2002, por exemplo, afirma ter cerca de R$ 1,2 bilhão a receber. As Lojas Riachuelo, que ingressaram em 2008, R$ 1,1 bilhão, e a Klabin, que recorreu à Justiça em 2007, diz ter direito a R$ 1 bilhão.

O Ministério da Economia emitiu um parecer no dia 24 de maio com orientações preliminares para que a Receita Federal desse início à adequação, normativa e procedimental, para cumprimento da decisão do STF. A norma também autoriza os procuradores da Fazenda Nacional a deixarem de recorrer em ações sobre esse tema.

“O trânsito em julgado [encerramento da ação judicial] não é mais um gargalo para as compensações, mas existem outras preocupações”, diz o advogado Luca Salvoni, do escritório Cascione. Uma delas, afirma, é com o a documentação necessária para utilizar o crédito. As empresas precisam levantar as notas ou as declarações de ICMS do período que entendem ter o direito ao reembolso.

Para o advogado, o principal gargalo, no entanto, está na vazão desses créditos. Em tese, podem ser usados para quitar qualquer tributo federal. Mas, na prática, existem limitações. Uma delas consta na Lei nº 13.670, de 2018, que proíbe o uso de crédito fiscal para pagar as estimativas de Imposto de Renda e CSLL que são feitas mês a mês pelas empresas do lucro real – com faturamento acima de R$ 78 milhões por ano.

Outra trata da possibilidade de usar esses créditos para quitar débitos previdenciários – a chamada compensação cruzada. A Receita Federal só admite essa compensação com créditos de tributos federais apurados após o uso do eSocial.

“O governo foi fechando portas à compensação ao longo dos anos para proteger o seu caixa”, observa Salvoni. “Hoje, as empresas estão usando os seus créditos para pagar, basicamente, os próprios PIS e Cofins.”

Segundo estimativas apontadas no estudo do IBPT, as empresas teriam usado, até 2020, R$ 93,4 bilhões em créditos gerados em decorrência da “tese do século” – o que representa 26,08% do total de R$ 358 bi. As compensações começaram a ser feitas já em 2017.

Consta no estudo do IBPT que a participação do PIS e da Cofins na arrecadação total de tributos federais se manteve, ao longo desses anos, em cerca de 21%. Entre 2017 e 2019, aumentou. Saltou de R$ 258 bilhões em 2016 para R$ 340 bilhões no ano de 2019.

Em 2020, no entanto, caiu para R$ 299 bilhões. No estudo há a observação de que a queda poderia estar relacionada ao desaquecimento da economia, em decorrência da pandemia.

Em janeiro, porém, durante a apresentação dos dados de 2020, a cúpula da Receita Federal citou as compensações como sendo um fator importante para a derrubada da arrecadação. As empresas usaram R$ 63,6 bilhões em créditos oriundos de decisões judiciais para quitar tributos ao longo do ano – montante que supera em 174% o que havia sido registrado em 2019.

Esse é um número geral. Não trata exclusivamente dos créditos gerados pela “tese do século”. Na ocasião, no entanto, o subsecretário de Arrecadação, Cadastro e Atendimento da Receita Federal, Frederico Faber, disse que havia uma forte interferência.

O Ministério da Economia foi procurado pelo Valor e questionado sobre o impacto gerado pela “tese do século”, mas afirmou que não iria se manifestar.

Fonte: Valor

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