Os contribuintes conseguiram no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) um importante precedente na disputa com a Receita Federal sobre a tributação de planos de participação nos lucros e resultados (PLR). A 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção anulou recentemente autuação fiscal da ArcelorMittal Brasil com base no novo modelo de desempate de julgamentos, hoje favorável às empresas.
O precedente, segundo advogados, pode levar os contribuintes a refletirem sobre a decisão de aderir à chamada “transação tributária do contencioso”. O tema PLR é o primeiro a ser tratado pela Fazenda Nacional nessa modalidade, que permite negociar o pagamento de dívidas federais. O prazo de adesão começou no dia 1º deste mês e vai até o fim de agosto.
Os descontos oferecidos pelo programa – de até 50% sobre o valor principal, incluindo multas e juros – chamam a atenção, além da jurisprudência. Desde 2015, o Carf baixou mais de 320 acórdãos sobre o assunto, a maioria contrário às empresas.
Porém, muitos casos foram resolvidos com o antigo voto de qualidade (desempate pelo presidente da turma, representante da Fazenda), o que mudou em 2020, por meio da Lei nº 13.988. Agora, em caso de empate em julgamento no Carf, vence o contribuinte.
A partir do momento em que as regras de desempate foram alteradas, não se teve mais notícias de julgamentos sobre o assunto no Carf, de acordo com tributaristas. A mudança coincidiu com a pandemia e a possibilidade de pedir a retirada de casos de pauta – o que tem sido feito nas discussões sobre essa tese a pedido das empresas ou da Fazenda Nacional.
As empresas são autuadas quando a Receita Federal considera que não cumpriram os requisitos para isentar o PLR da cobrança de contribuição previdenciária, previstos na Lei nº 10.101, de 2000. Entre eles, a distribuição de valores somente uma vez no semestre, a participação de sindicato nos acordos e a edição de regras claras e objetivas para os planos.
Algumas dessas condições foram flexibilizadas no ano passado, com a edição da Lei nº 14.020. A tese é discutida por bancos e grandes empresas e há processos com valores bilionários. Em alguns casos, tenta-se a aplicação retroativa da norma.
Na autuação fiscal julgada em maio pelos conselheiros, a Receita Federal cobra da ArcelorMittal Brasil contribuição previdenciária referente ao período de março de 2014 a março de 2016. O valor da cobrança é de aproximadamente R$ 35 milhões.
Uma parcela da autuação fiscal foi afastada por todos os conselheiros da 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção por uma questão processual. Era uma gratificação de férias prevista em acordo coletivo de trabalho, uma espécie de “14º salário”, segundo a Receita Federal, que não foi tributada. O acórdão foi publicado neste mês.
Já a parte referente ao PLR dividiu os conselheiros representantes dos contribuintes e da Fazenda. A discussão se concentrou na data de assinatura dos planos. As negociações teriam sido concluídas vários meses após o início dos exercícios.
Para a Receita Federal, a pactuação precisa ser prévia e as metas e indicadores devem estar ajustados antes do exercício para “direcionar o esforço dos empregados, vindo ao encontro do que a lei pretende buscar: o incentivo à produtividade das empresas”.
Mas prevaleceu no julgamento o voto da conselheira Ana Claudia Borges de Oliveira, representante dos contribuintes. Para ela, a data de assinatura de acordo coletivo não desnatura a validade de um programa de PLR, nem retira a natureza jurídica do pagamento.
“A legislação que regulamenta o PLR não veda que a negociação quanto à distribuição do lucro seja concretizada após sua realização, embora o início das tratativas deva preceder ao pagamento”, afirma a conselheira em seu voto (processo nº 15504.721069/2019-95).
Essa decisão, diz a advogada Alessandra Gomensoro, sócia do escritório Mattos Filho, pode trazer dúvidas a alguns contribuintes que podem optar pela transação tributária. O caso, acrescenta a tributarista, trata de um ponto comum em muitas autuações de PLR, que é o momento da assinatura do plano.
Para o advogado Caio Taniguchi, sócio do escritório TSA Advogados, o momento é bom para o contribuinte discutir autuações referentes a PLR e a decisão mostra que o novo modelo de desempate pode ter efeitos positivos. Ainda segundo Taniguchi, a adesão à transação tributária só compensa para empresas que tenham programas de participação nos lucros “muito ruins”, e não para qualquer caso.
Fonte: Valor
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