O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, tirou da pauta uma questão com impacto bilionário para os cofres da União: a taxação de remessas de pagamentos ao exterior. A discussão – que afeta empresas de diversos setores – estava marcada para o dia 30. Não há nova data definida para a análise do caso.
Os ministros vão definir se a União pode exigir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre remunerações por vários tipos de contrato, como royalties, licenças de uso, transferência de tecnologia e serviços técnicos e administrativos. Trata-se de uma questão-chave para o financiamento de pesquisa e inovação no Brasil.
O impacto da discussão é de R$ 17,9 bilhões, segundo a Fazenda Nacional. Só a Petrobras recolheu R$ 786 milhões em Cide, entre janeiro 2013 e março de 2018. O montante é referente a 2.100 contratos no valor global de U$ 605 milhões, segundo informações do processo. O governo taxa em 10% os valores remetidos para fora do país.
Sobre as remessas ao exterior as empresas também pagam 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte. Se forem para remuneração de serviços, recolhem ainda o ISS. A União e os contribuintes aguardam há seis anos pelo julgamento do STF.
A cobrança foi instituída há 21 anos, por iniciativa do governo Fernando Henrique. Está prevista na Lei nº 10.168, de 2000. Com o diagnóstico, à época, de baixo investimento pelo Brasil em tecnologia e inovação, o objetivo era financiar projetos cooperativos entre universidades e empresas para o desenvolvimento científico e tecnológico.
Um dos argumentos dos contribuintes para derrubar a exigência, porém, é que os recursos arrecadados não têm sido destinados para a finalidade original. Metade da arrecadação com a Cide deve ir para o Fundo CT-Verde Amarelo, que financia projetos firmados entre universidades e setor produtivo.
“Assim como ocorreu com a CPMF, passado o tempo o governo acabou incorporando os recursos sem muito dever de contraprestação à sociedade, e os recursos não estão sendo enviados ao seu destino”, diz o advogado João Jordan, sócio do Jordan Cury Advogados.
O governo federal, inclusive, tem sido cobrado pelo contingenciamento de recursos na área. Foram bloqueados, neste ano, 91% do orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969, e também abastecido pela arrecadação com a Cide.
Em abril, mais de 70 entidades científicas pediram ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a liberação de R$ 5,1 bilhões do fundo. “Eles são fundamentais para a CT&I [ciência tecnologia e inovação], em particular neste momento de pandemia, e para a recuperação econômica do país”, afirmaram em carta aberta.
É por meio de um recurso da Scania que o STF vai analisar se a União pode cobrar a Cide (RE 928943). A fabricante de ônibus, caminhões e motores entrou na Justiça em 2002 para deixar de recolher a Cide-Tecnologia sobre pagamentos efetuados para a matriz, na Suécia. Perdeu na Justiça Federal de São Paulo e recorreu ao Supremo com o argumento de que a exigência da contribuição é inconstitucional.
O STF tem decisões que autorizam a cobrança. Mas o que as empresas defendem é que a Cide – se for declarada constitucional – recaia apenas sobre contratos em que há efetivo fornecimento de tecnologia, com a transferência do conhecimento tecnológico. Atualmente, a Receita Federal tributa também remessas para pagamentos relativos a diversos tipos de contrato, como de advocacia e assistência administrativa para registro de patente no exterior, além de contratação de mecânico para reparo de aeronave.
“Admitir a exigência da Cide sobre qualquer remessa implica desvio de finalidade da contribuição, que foi instituída para fomentar a tecnologia nacional”, diz Daniel Szelbracikowski, da Advocacia Dias de Souza, banca que representa a Scania. “Quando impõe essa tributação o Estado desestimula a aquisição de tecnologia estrangeira.”
Empresas de tecnologia da informação e comunicação, como Microsoft, Uber e Amazon, reforçam o coro da restrição da Cide para contratos com transferência de tecnologia, mas especificamente no caso de software. É dever do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) registrar esses contratos.
“A Cide foi criada para desenvolver tecnologia no Brasil. Quem deve pagar é quem efetivamente importa tecnologia. Não é o que acontece com licenças de uso e distribuição de software e prestação de serviço administrativo, por exemplo”, afirma Tércio Chiavassa, sócio do Pinheiro Neto Advogados, que representa, no STF, a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), com 60 associados.
Fonte: Valor
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