A holding de educação Eleva adotou um caminho inusitado para a amortização de ágio. Decidiu levar a questão diretamente ao Judiciário, sem passar pela esfera administrativa e nem mesmo ter sido autuada. Além de evitar uma pesada multa e responsabilização de sócios, a aposta é de que terá mais chances de vencer a disputa inevitável com a Receita Federal.
Geralmente, as operações de ágio são questionadas pela fiscalização e geram autuações bilionárias. E o placar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é desfavorável ao contribuinte, ao contrário do que acontece no Judiciário, onde há um maior equilíbrio.
Na Justiça, até o fim de 2020, havia 56 julgados com decisão de mérito. Do total, 29 a favor dos contribuintes e 27 desfavoráveis, segundo levantamento realizado pelo escritório Mattos Filho. Já na Câmara Superior do Carf – última instância do órgão -, foram analisados 164 casos, com apenas cinco entendimentos favoráveis.
A Eleva não foi a primeira a adotar esse caminho. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, com sede em Brasília, já concedeu pedido semelhante feito por outra empresa. Advogados ponderam, porém, que essa estratégia não pode ser adotada por todos contribuintes na mesma situação, já que é preciso ter dinheiro em caixa para fazer um depósito preventivo do valor em discussão ou posterior, em caso de a decisão ser revertida.
No caso da holding de educação, foi feito um depósito do valor do ágio que poderia amortizar e pediu-se na Justiça que não fossem cobrados os Imposto de Renda e CSLL (até 34% no regime de lucro real) – o que normalmente acontece quando a Receita entende que e a operação teve como único objetivo diminuir o montante de tributos a recolher.
O ágio se refere a um aporte de R$ 338 milhões feito pela WP Búzios, subsidiária da gestora americana Warburg Pincus, que tem negócios na área do ensino em outros países. O ágio por expectativa de rentabilidade futura foi de R$ 173,7 milhões.
Depois de dois anos, a WP Búzios foi incorporada com o pagamento de R$ 358 milhões. A partir daí, a Eleva considera que adquiriu o direito à amortização do ágio por rentabilidade futura registrado nas demonstrações financeiras da WP Búzios. De acordo com a holding, a incorporação foi feita pela necessidade de reestruturar o grupo para otimizar sua operação e reduzir custos.
O pedido da Eleva foi concedido no fim de janeiro pelo juiz federal substituto na 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Maurício Magalhães Lamha. Ele entendeu que o depósito para a suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN), é direito do contribuinte, não cabendo o seu indeferimento. Na prática, impede-se a Receita Federal de autuar a empresa enquanto a decisão estiver vigente (processo nº 5004288-96.2021.4.02.5101).
O principal motivo para a adoção da estratégia, segundo João Paulo Prado, diretor jurídico do Eleva, foi a existência de uma instabilidade muito grande em relação ao assunto, especialmente no Carf. “Não conseguimos ver uma lógica [nas decisões do Carf]. Se estivesse clara qual linha o órgão segue, estaríamos tranquilos”, diz. “Em vez de me expor ao risco de multa e juros, prefiro levar direto ao Judiciário.”
Por uma questão do compliance corporativo, acrescenta o advogado da holding, Leonel Pittzer, sócio do Fux Advogados, a Eleva não quis levar a discussão para o Carf e eventualmente judicializar depois. “É um ágio muito bom, com pagamento, substância econômica clara”, afirma.
Em situação similar, em setembro de 2019, a Solenis do Brasil Química conseguiu suspender a exigibilidade de IRPJ e CSLL por causa da amortização de ágio apurado com a aquisição de duas empresas. A tutela antecipada foi concedida pela desembargadora Angela Maria Catão Alves, do TRF da 1ª Região.
A desembargadora suspendeu a possibilidade de autuação fiscal até apresentação de contraminuta pela Fazenda Nacional, quando haverá nova deliberação. No caso, não há registro de depósito do valor em discussão (processo nº 1030649-96.2019.4.01.0000).
“Cada caso tem uma estratégia”, diz Marcelo Annunziata, sócio do Demarest Advogados. De acordo com ele, cada vez mais as empresas têm optado por levar a discussão direto ao Judiciário. Isso ocorre desde a Operação Zelotes, em 2015. Com a reabertura do Carf, acrescenta, passou-se a adotar uma postura mais restritiva com relação ao ágio. “O Carf começou a ficar totalmente contra o contribuinte em casos que se ganhava antes.”
O Judiciário tem parecido mais simpático à tese de ágio, afirma Annunziata. “Você antecipa a discussão, elimina a esfera administrativa e tem mais chance de uma decisão favorável”, diz. Existem poucas decisões no Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, ainda não julgou o tema (ver abaixo).
Para a advogada Ana Paula Lui, sócia do escritório Mattos Filho, porém, esse não seria o melhor caminho. No Judiciário, afirma, provavelmente a empresa vai precisar de um desembolso prévio, que não é necessário na esfera administrativa. E no caso de liminar concedida sem garantia, se for revogada, teria que ser feito um depósito em 30 dias.
Ana Paula lembra que agora o empate no Carf é favorável ao contribuinte, o que pode alterar a jurisprudência. “A Câmara Superior do Carf decidiu muitos casos de ágio contra as empresas pelo voto de qualidade, que mudou em 2020. Agora há uma boa expectativa de que a jurisprudência se reverta a favor dos contribuintes”, afirma.
Gilson Pacheco Bomfim, procurador-chefe da Divisão de Acompanhamento Especial da 2ª Região, também não vê vantagem em uma empresa abrir mão do contencioso administrativo. “Se a liminar cair, a Receita dá início à fiscalização e se concluir a intenção de fraude pode haver inclusive a multa qualificada”, diz. “Estão abrindo mão de tempo e de bolas divididas no Carf para jogar no Judiciário. Não faz sentido.”
James Siqueira, procurador-chefe da Divisão de Acompanhamento Especial da 3ª Região tem a mesma visão sobre a estratégia. Para ele, o movimento da Eleva é o contrário do que se costuma ver no contencioso de ágio. “Esse caso é a exceção da exceção”, afirma ele, acrescentando que os julgados na primeira instância e no TRF da 1ª Região não entram no mérito da questão.Fonte: Valor
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